Vida sem escola
Do que eu gostava mesmo é que eles não tivessem escola. Imaginem a vida sem escola. Uma maravilha, não era? Não se gastava balúrdios em livros e material escolar, em transportes e explicações; acabava o stress e as birras matinais, o pesadelo que são os finais de dia com os trabalhos de casa. Não mais teríamos de estudar matemática, gramática, física ou ciências e, o melhor de tudo, nunca saberíamos se os nossos filhos são bons ou maus alunos, mal ou bem-comportados, responsáveis ou preguiçosos. Viveríamos em paz na ignorância, no consolo da harmonia familiar. Não nos chatearíamos. Eles, por outro lado, teriam a sua liberdade assegurada. Sem pressão, sem avaliações, sem trabalho, sem rotinas chatas e sem conflitos. Não existiriam pessoas a interferir nas suas vidas privadas com perguntas para descobrir o que eles sabem e não sabem, a violar o resguardo do seu saber. Não existiriam cuscos e controladores nas suas vidas: adultos de caneta vermelha em punho a riscarem-lhes o saber e a classificarem as suas aptidões. Oportunistas, violadores de segredos. Não seriam coagidos para alcançar bons resultados nem castigados, reprovados ou censurados por não os alcançarem. Seriam seres humanos verdadeiros, apenas amarrados às suas vontades. Sem conflito, sem stress, sem pressão. Dormiriam. Sim, dormiriam até tarde e os fins de tarde seriam todos como os de agosto. Diriam e fariam o que queriam e quando queriam sem se sujeitarem a juízos de valor. Juízos de valor, opiniões, avaliações seriam conceitos absurdos por originarem discordâncias, conflitos. Tudo coisas que contrariam harmonia familiar, a paz de onde brota a prosperidade. Com o tempo habituar-se-iam a viver sem horários, sem controlo dos pais, sem limites e sem objetivos. Viveriam, apenas, porque chega, porque têm direito. A vida sem escola seria uma libertação para pais e filhos, professores e sindicatos. Haveria paz social, férias sem férias, saber empírico, alegria.
Nós, pais, seríamos assim, um povo contente, e eles, filhos, um governo socialista. Um governo seguro, orgulhoso na defesa do seu silêncio, astuto na garantia da sua liberdade, com um estilo altivo e senhorial na proteção do seu poder, do seu direito em fazer o que quer e quando quer, a dizer o que quer e quando quer. O seu direito a que não o chateiem. A ser ele próprio, na inadmissão de juízos de valor ou outros, opiniões e avaliações que interferem na sua liberdade de continuar a ser irresponsável e prepotente.