Os fundos europeus têm um preço
O enorme aumento de fundos europeus tem consequências na integração e no equilíbrio das economias europeias. Num caso, não há muito a fazer: vai haver mais união europeia. Resta saber que papel vamos desempenhar. No outro, há e depende sobretudo de nós. Vamos sair daqui mais ou menos divergentes, conforme as escolhas que fizermos.
Há três razões para a União Europeia ter acordado em criar um fundo extraordinário para apoiar os Estados a responder à crise económica provocada pela pandemia: dar uma resposta rápida e comum, para mostrar que a Europa faz sentido; reforçar a importância das prioridades políticas europeias, tornando-as decisivas no desenho das políticas nacionais; e atenuar a assimetria do impacto económico da crise, para evitar pagar os custos desse desequilíbrio adiante.
Face à dimensão da crise, e à expectativa generalizada de que a Europa provasse a sua utilidade, a União Europeia tinha de ser rápida a responder. Considerando a complexidade do processo de decisão e o salto em frente que representou, foi mais rápida do que tinha sido ou seria de esperar.
A utilização dos fundos do Mecanismo de Recuperação e Resiliência está agora dependente do desenho, pelos Estados, de metas e objetivos alinhados com as prioridades políticas da Comissão Europeia, desde logo a transição verde e digital. O que significa que, independentemente do que era a trajetória nacional prevista, ela está agora mais dependente da orientação europeia. A definição das políticas e prioridades em Bruxelas é cada vez mais condicionante do que depois se decide nas capitais.
Durante a última crise, grande parte do poder saiu de Lisboa para os credores. Agora, move-se para Bruxelas, para os doadores, apesar da tensão entre querer executar o orçamento e passar os cheques ou exercer mais poder.
Ainda assim, há margem de manobra. Dentro das limitações impostas pelos objetivos das políticas e prioridades europeias, os Estados têm espaço para definir os investimentos e reformas que irão prosseguir ao abrigo dos planos nacionais. E isto é bom, porque a alternativa é demasiada Europa; mas se correr mal, é uma bomba a médio prazo.
Esta crise é assimétrica. Por um lado, porque uns têm de fechar mais do que outros ou porque uns têm indústrias mais dependentes da mobilidade do que outros (o turismo, por exemplo). Por outro, porque uns tinham muitas reservas para usar e outros não. É aqui que vai estar a diferença entre uns europeus e outros.
Os Estados mais dependentes de indústrias que vão demorar mais a recuperar vão ter de gastar mais em almofadas sociais. Os que têm mais fragilidades antigas, vão demorar mais a dar o salto transformador que a Europa quer que a transição verde e digital seja. Acontece que em alguns casos, como Portugal, as duas circunstâncias coincidem. Temos uma economia mais exposta a esta crise, e temos menos capacidade de resposta. Se não temos muita responsabilidade na primeira circunstância, é evidente que na segunda temos bastante.
É por isto que a discussão sobre como vamos usar os fundos europeus (o fundo de recuperação e resiliência e os do quadro comunitário habitual) é tão importante. Se apoiarmos muito o impacto imediato, corremos o risco de divergir mais a médio prazo. Se perdermos a oportunidade que outros vão usar para dar um salto tecnológico, a nossa divergência agrava-se, mas podemos proteger agora os mais impactados. Por mais infindável que seja a lista de projetos onde gastar o dinheiro, vai ser preciso fazer escolhas.