O triunfo dos poucos

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Rui Tavares contou, há duas semanas, no Público, uma história deliciosa sobre a ida de Natália Correia aos Estados Unidos da América em 1950. Na altura encontrou-se com Norman Thomas, líder dos socialistas americanos, a quem pediu apoio para a oposição portuguesa a Salazar. Norman Thomas levou a poetisa portuguesa a um subúrbio operário, mostrou-lhe as casas com carro à porta, jardim à volta e eletrodomésticos lá dentro e explicou-lhe que num ambiente assim o socialismo não florescia.

Na campanha de 2016, como agora, Bernie Sanders apresentou-se como socialista - o que era um insulto até há pouco tempo - e está a ter (pelo menos algum) sucesso. O que mudou? Segundo Rui Tavares, duas coisas: na América dos anos 20 deste século os operários ou equivalentes já não vivem em subúrbios confortáveis, e o que o Sanders propõe é tão banal que já não escandaliza ninguém.

Dou de barato razão parcial a Rui Tavares, mas não tenho a certeza que tire todas as conclusões que se podem tirar.

Mais do que aquilo que Sanders diz ser óbvio e evidentemente justo (como crê o ex-líder do Livre), é a ofensa que deixou de o ser. Durante 10 anos os republicanos (os do Tea Party, sobretudo) passaram o tempo a chamar socialista a Obama. O resultado foi a regeneração do conceito. Acresce que Sanders é exatamente o oposto de Trump. O outro extremo.

Do lado de cá do Atlântico talvez seja melhor olhar para isto de outro ângulo. Precisamente aquele que, suspeito, Rui Tavares não verá.

Pela Europa fora está a crescer o apoio a híper-nacionalistas, neo-soberanistas, tribalistas e gente anti-mercado em geral. Todos dizem que o sistema é corrupto e gera pobreza (apesar de nunca tanta gente ter vivido tão bem, e muito melhor que em qualquer outro regime político ou sistema económico), e que há uma minoria que ignora o povo em geral e os que ficaram para trás em particular: a elite globalista, urbana, moderninha, que vive do sistema. Apoiados nesta perceção, estes movimentos vão crescendo porque os "excluídos" se sentem representados. E têm medo dos medos que estes movimentos alimentam.

Enquanto isso, à esquerda da esquerda moderada vai-se chamando fascista a Órban, ao PiS, a Salvini, a Ventura, a Bolsonaro, a Boris Johnson, ao chanceler Austríaco, à CSU alemã, à Iniciativa Liberal e ao CDS (como fez um cartoon do Público). Como devia ser evidente, assim o conceito deixa de ser relevante. Deixa de ser um adjetivo, passa a ser apenas mais um insulto.

Para evitar que a discussão continue por este caminho, era necessário que um dos lados fosse claro. E o outro também. A direita que não se distancia do que é obsceno e está para lá da fronteira é cúmplice. A esquerda moderada que deixa o palco aos radicais, também.

A nova estrela da esquerda italiana é Elly Schlein, a quem chamam de Ocasio-Cortez. Diz a ex-deputada europeia, que teve um excelente resultado numas recentes eleições locais, que "a esquerda não vai ganhar nada em ir atrás do centro. Temos de dos unir à volta de algumas ideias fundamentais de esquerda: solidariedade para com os migrantes, igualdade de género, direitos LGBT, alterações climáticas e direitos dos trabalhadores". Desertando o centro, afirma, a esquerda vencerá. Pedro não podia fazer mais pelo lobo.

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