A Europa não tem poder
Uma das grandes ilusões sobre a Europa é a de que garante a paz e promove a democracia, internamente e na sua vizinhança, por virtude do seu exemplo e do seu dinheiro. É verdade que foi a paz que a justificou, que foi a democracia que atraiu os países da Ibéria e os de leste, e que todos aqui procuram a prosperidade, mas a Europa não garante nada disso sozinha. Falta-lhe poder e influência.
Quando Portugal e Espanha aderiram, o mundo dividia-se em dois. O bloco soviético e o bloco ocidental (os não alinhados eram essencialmente quase do lado de lá). A escolha que tinha de ser feita, sobretudo por Portugal, era sobre de que lado do mundo queria estar. A adesão foi a escolha pela democracia. E pela prosperidade. Uma escolha nossa.
Quando o Leste aderiu, o bloco soviético tinha ruído e os povos libertos do comunismo queriam o que o "lado de cá tinha": liberdade, democracia e riqueza. A Europa era a garantia de que fariam parte do mundo dos vencedores. A adesão à NATO, prévia à entrada na União Europeia, a garantia de que a libertação face à Rússia era permanente. Com armas, se necessário fosse.
Isto significa que os países de leste, quando aderiram, já sabiam que queriam o que havia deste lado. Não se democratizaram para cá chegar, chegaram cá porque queriam ser democracias liberais e economias de mercado como o Ocidente.
O que aconteceu entretanto não se explica apenas pela falta de tradição democrática. Nós também não tínhamos. Nem pela (muito relevante) falta de soberania prévia que faz que, a leste, os críticos da Europa acusem agora Bruxelas de ser a nova Moscovo. Os Bálticos passaram por pior e nem assim objetam à União Europeia com a mesma crítica soberanista.
A explicação para o que se passa na Hungria, na Polónia ou na Bulgária, entre outros, é mais fácil de encontrar no ar do tempo. Fazem parte de uma tendência global que vê que é possível crescer economicamente sem democratizar (a China é o exemplo máximo), e que a Europa não tem os instrumentos de pressão interna que tinha quando estavam a caminho da adesão.
Isto é importante para pensar o que se pode fazer internamente, para responder a Orbán e companhia, mas também externamente. A Ucrânia acreditou na falsa possibilidade de aderir à Europa. Isso não aconteceu, e a alternativa, a política de vizinhança não a protegeu do ataque russo nem garantiu a prosperidade equivalente à adesão. Mais a sul, Erdogan sabia que não ia aderir, nem queria, mas usou os critérios de adesão para eliminar a tutela militar, uma excrescência num regime democrático mas que historicamente era o único garante da laicidade do regime.
Romano Prodi, quando presidiu à Comissão, defendia que à falta de adesão havia que prometer aos países da vizinhança "tudo menos as instituições". Uma quase integração que lhes trouxesse prosperidade e democracia. Não teve sucesso.
Se a Europa não consegue assegurar a democracia internamente nem nas sua fronteiras, e não garante a paz à sua volta, qual é o seu real poder? Se quer ser um clube de democracias prósperas, tem de querer ser influente e pagar esse preço. Ou então é inconsequente cá dentro e irrelevante lá fora.