A caminho do Estado Europeu

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Política externa em todos os assuntos, uma indústria de defesa, responsabilização pela segurança das fronteiras exteriores, além de uma moeda, lançar impostos ou taxas, ter um orçamento próprio e um governo económico. Quando Ursula Von der Leyen diz que quer que a próxima comissão europeia seja "geopolítica" está a dizer muito mais do que parece. E, eventualmente, muito mais do que muitos querem. As ambições da Europa são cada vez mais as de um grande actor global e, portanto, parecidas com as de um Estado e as suas funções soberanas. Pode não ser mau, pode ser inevitável, mas é melhor que saibamos ao que vamos. Até porque há quem legitimamente não o queira.

O afastamento dos Estados Unidos, iniciado antes de Trump mas agravado durante a actual presidência; a transformação da Rússia numa potência sobretudo regional e de novo agressiva; a dimensão económica, internacional e crescentemente tecnológica do desafio representado pela China; e o lugar destacado na questão das alterações climáticas, fazem crescer a ideia, em Bruxelas e nalgumas capitais europeias (muito especificamente em Paris e Berlim), de que a União Europeia precisa de robustecer a sua ambição de actor internacional autónomo e alternativo. Não se trata apenas de ter uma política externa comum ou, como se costumava dizer, ter um telefone. Para se ter uma única política externa é preciso ter uma visão comum dos seus interesses no mundo. E instrumentos para a concretizar. É essa transformação que pode estar em curso.

Desde a sua fundção que a União Europeia, quando ainda era Comunidade Económica Europeia, se foi construindo à custa da erosão consentida das soberanias nacionais, tanto no topo como na base da pirâmide dos poderes. Isto é, tanto foi conquistando poderes que tradicionalmente definem a ideia de soberania, como seja a emissão de moeda, como ia regulando detalhes com o pretexto, facilmente justificável, da necessidade de construir um mercado comum. Esta espécie de estratégia de tenaz foi revista durante a presidência Juncker. Ao chamar "política" à sua comissão o luxemburguês quis dizer, sobretudo, duas coisas: que as iniciativas tinham de ter um objectivo político e não apenas responder ao impulso burocrático de legislar, e que os partidos europeus (os grupos políticos onde estão integrados os partidos nacionais) tinham de assumir um papel de liderança política. É nessa lógica que se inscreve o Spitzenkandidat.

Agora, Von der Leinen quer mais. As cartas de missão dirigidas aos futuros comissários são atravessadas por algumas ideias comuns e claras: a Europa geopolítica terá de ter uma indústria de defesa, campeões europeus protegidos da concorrência chinesa e americana, tarifas cobradas na fronteira para compensar custos das políticas europeias, sobretudo as climáticas, e o caminho para um orçamento que defenda a zona euro de crises e pressões. Esta será, muito provavelmente, uma visão que reforçará a capacidade da Europa ser muito mais do que é, e corresponde ao que muitos desejam. Mas implica a assunção de ainda mais poderes de soberania (com outro nome, ou de forma paulatina, mas é o que é). Esta enorme transformação está em curso e ganhava em ser dicutida. Até para ser percebida.

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