Sai mais uma dose de elogios
Segundo algumas vozes, parece que se falou demasiado de Marcelo. Para quem ainda não sabe, Marcelo Rebelo de Sousa, o novo PR. Ora, aí está, a função explica porque tanto se falou dele. Eu vê-lo-ia mal escolhido para presidente do Vitória de Guimarães - Marcelo passou a vida a dizer que é do Braga, o vizinho rival. Também não o aconselharia para presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, os bispos podem mentir, e mentem, mas não podem fazer gala disso - Marcelo gosta e pisca o olho.
Outro posto para onde eu não o nomeava: comandante do forte de Elvas. Uma madrugada, ainda com menos sono do que o costume, ele era capaz de subir a uma ameia, virar-se para Badajoz e fazer luzes em Morse, com uma lâmpada militar de sinais: "Si te entregas te trato con la generosidad del capitán general Ambrogio Spínola hacia Justino de Nassau." Muito embora, pensando bem, os espanhóis não iam reagir. O comandante de Badajoz encolhia os ombros: "Ora, ora, é o Marcelo, só pode. Só ele sabe em Portugal o que foi a rendição de Breda."
Deixa-me cá ver, outro sítio para onde não mandaria Marcelo Rebelo de Sousa... Para diretor de colégio. Um diretor de colégio, na sua função principal - passar raspanetes - não pode sorrir, ou, caso consiga esconder os dentes, não se pode trair com gozo nos olhos. Também não pode ir para a Brigada de Trânsito, porque, com boa disposição, não fica bem pedir a carta a um acelera. Governador do Banco de Portugal, também não - os casos desesperados não lhe caem bem. Isto é, os casos desesperados em que nos indignamos com as asneiras feitas por quem passa por saber e não sabe. Já no Instituto Português de Oncologia, com nariz de palhaço ou sem ele, acho que Marcelo cumpria. Presidente dos visitantes do IPO, eis um cargo que ele faria bem.
Estes dois últimos exemplos servem para passarmos à função que Marcelo Rebelo de Sousa passou a exercer esta semana. Ser Presidente da República é também para tratar um caso desesperado, como os que dependem do Banco de Portugal e do IPO. Mas como PR não se lhe pede ciência de governação do Banco de Portugal ou, até mais, de Portugal inteiro (não sem razão, apesar de ter sido líder do PSD, nunca este o levou a chefiar uma campanha legislativa). Pede-se, em Belém, um saber natural para situações graves, como no IPO, no importantíssimo setor do sorriso e da mão no ombro.
O trabalho de Marcelo é, pois, relações humanas, presidir aos portugueses e agora. Acontece que Marcelo conseguiu o emprego porque durante o concurso público deu provas de que o merecia. Desde logo, porque percebeu ao que concorria: não, não era para compor um orçamento ou construir um novo aeroporto. Era para o cargo de se fazer ouvir pelos portugueses. Então, ele cuidou em não hostilizar ninguém. Por exemplo, foi à Festa do Avante, o que pode ter sido manobra eleitoral, mas aconteceu que três meses depois os comunistas mostraram que estavam maduros para apoiarem um governo. O percurso de não combatente ideológico de Marcelo, onde alguns viram tática de não comprometimento, foi ter percebido que a ideia de estarmos no mesmo barco é mais global do que a trica política faz crer.
Ainda na campanha, fez a sua de forma inédita, quase sem gastar. O notável, filho de ministro salazarista, amigo do ex-dono disto tudo, e o direitolas que é, mostrou um caminho para sabotar um problema nosso, grave: a aversão pelos políticos. Ainda antes de ser eleito, já estava a fazer o contrário de dizer que ganhava pouca da pensão. E, amanhã, quando chegarem as multas por gastos a mais nas despesas eleitorais, das dele saberemos que foram pagas pelo seu bolso e da família. Pequena lição? Pois é exatamente desse tamanho que precisamos lições.
Finalmente, nos dias à volta da tomada de posse, a distribuição de atos certos. O chegar a pé, o mandar a crispação com os governantes às urtigas, o fazer questão de mostrar as minorias religiosas e étnicas, o ir ao Porto, o prometer reatar laços com filhos de emigrantes (Paris) que nos fogem pelos dedos... Coisas pequenas? Exato. Fáceis? Sim, temos de perguntar porque outros não as fizeram antes...
Ações muito faladas? É verdade. E sabem porquê? Porque sendo simbólicas foram praticadas por alguém que as faz passar sem cerimonial. É um dote dele. Nesta altura, o balanço é inequívoco: eis um homem no lugar certo. E isso tem-nos acontecido tão pouco que se fala muito. Não deixem de falar se ele continuar a ser o homem certo. E não se esqueçam de que, certo, foi nesta altura. Amanhã são outros dias.