It"s the Yupido, stupid!

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Há meses, saí da Avenida da Liberdade, onde trabalhava num edifício notável de 75 anos. Confesso que senti como castigo ter deixado a sede do DN, cheia de história, apesar de ter vindo para uma torre moderna e cheio de janelas, com uma nesga para a catedral (essa!). Senti que talvez já cá não esteja quando, volvidos outros três quartos de século, o novo edifício venha a ter a patine a que me habituara na Avenida da Liberdade. Esta semana soube que foi o destino a mandar-me para as Torres de Lisboa. E, digo-o já, não mereci a atenção e o cuidado do destino.

Eu tinha um sonho, julgo que agora já não o tenho. Um dia, li um romance sobre um tipo que herdou da tia um pacote de ações da IBM, estava a empresa a iniciar-se nos computadores. A tia não subscrevera os aumentos de capital ou subscrevera (não me obriguem a pormenores, em todo o caso era um romance), o facto romanesco é que o sobrinho herdou uma resma de papéis velhos que o fizeram milionário.

Mas o meu sonho não era o mero acaso de ser herdeiro, que é sempre uma circunstância sem mérito. Eu queria ser rico invejado pela argúcia - os que veem a cornucópia do ouro quando ela ainda é um incipiente chifre. O que eu bebera no romance foi a ambição de me juntar a um grande império com ele ainda nos alicerces.

Cheguei tarde para ir com Afonso de Albuquerque até Malaca. Mas já não tive desculpa para ter desperdiçado aquela garagem de Palo Alto e dizer ao garoto das geringonças : "Ei, Steve, material, fios elétricos, máquinas de soldar, livros, até a assinatura da Esquire, tudo o que quiseres, pago eu!" Vinha o pai, queria saber da razão da generosidade e eu dizia-lhe que era uma aposta minha na cara de esperto do miúdo.

E só exigia a contrapartida de um contrato. "Cinquenta por cento?", perguntava o pai adotivo (nessa altura eu já sabia que o senhor Jobs era pai adotivo). E eu, que fui sempre honesto, recusava: "Nem pensar, eu só quero um por cento." E pronto, ficava assim, e eu hoje continuava a trabalhar no edifício da Avenida da Liberdade, que compraria, e tinha alugado, por um euro simbólico, ao meu jornal. Outra coisa: eu nunca diria, apesar de não estar no contrato a obrigação de reserva, que "o Steve Jobs ficou a dever-me a carreira". Mesmo rico eu seria decente.

Mas nunca fui a Palo Alto e não fiquei rico. O destino, soube esta semana, quis outra coisa para mim. Mandou-me para as Torres de Lisboa, mais propriamente a Torre E - simpática e cheia de luz, como já disse. Onde chego a pé, porque ainda não tenho um Maybach Exelero e motorista.

Não tenho porque também não fui ao dentista em Dobbs Ferry, o Dr. Edward Zuckerberg, no estado de Nova Iorque. Insinuava-me e aconselhava-o a contratar um programador de software para dar aulas ao filho. O dentista iria pensar fazer isso quando o filho tivesse 12 anos mas, lá está, eu aconselharia aos 11. A família ficaria tão agradada comigo que, mais cedo ou mais cedo, eu poderia avançar com a proposta: "Quando o Mark inventar o Facebook, eu fico com um por cento, OK?" Claro, quem nega um por cento a um velho amigo da família?

Não cheguei a ir a Dobbs Ferry porque foi por volta de 1995 e nessa altura pensei ser mais vantajoso ir a Luanda, ao bairro do Sambizanga, tentar fazer um contrato com o pai de um miúdo de 3 anos. Julguei serem favas contadas, quem negaria um contrato apostando num filho ainda tão novinho, ainda por cima com contrapartidas pouco exigentes da minha parte? Dessa vez esforcei-me, mas não contei que havia um tipo com visão de futuro maior do que a minha. Quando cheguei ao Sambizanga, o pai do garoto disse-me que, no dia anterior, tinha passado por lá o senhor Bruno de Carvalho com a promessa de ser ele a fazer a carreira toda do filho. Sou obrigado a confirmar, o William de Carvalho deve toda a carreira (enfim, menos três anos) àquele meu adversário na corrida por futuros sucessos.

E volto à Torre E, das Torres de Lisboa, onde para chegar, todos os dias, passo pela Torre G. Eles, os da Yupido, moraram lá, naquela lusitana garagem de Palo Alto. Bastou ter erguido os olhos para o primeiro andar... Com o meu flair pelo sucesso dei inevitavelmente por eles - a Cláudia, o Torcato, o Filipe... Jovens de 20 e pouco mais e, sobretudo, com aquela fragrância, ligeiramente almiscarada, que têm as fortunas futuras.

Um dia, no café do meio das torres, vi a Cláudia e o Torcato e cheirei logo 28 768 199 972 euros... Está bem, 28 768 199 969, se as bicas e bolo de nozes, que ela comeu, foram pagos com as mais-valias futuras da Yupido. Mais coisa menos coisa, duas vezes a Galp, ali ao lado, na outra esquina, e sem garantir quanto mais ou menos é porque, confesso, não sei se o CEO Carlos Gomes da Silva também paga a bica com os lucros da gasolineira.

Com os jovens da Yupido falei ainda eles não sabiam que um dia iriam atingir os tais quase 29 mil milhões. Fiz a abordagem habitual. Fui um mãos-largas: Cláudia, podem ser macarons, vindos todos os dias da Ladurée de Paris! Torcato, Filipe, bicas à vontade! "E para os outros dois sócios?", perguntou-me o Torcato. "Também, claro", prometi. Só queria o um por cento da ordem - exigi, com o estatuto de quase ex-sócio do Jobs e do Zuckerberg. Riram-se-me na cara: "Onde é que tu, meu, tens 2,43 milhões?!"

E mostraram-me uma fotocópia com o capital social da Yupido: já então era 243 milhões de euros! É certo que aquilo era quase tudo um ativo intangível mas esfregado na cara, doía, era tangível! O que me custou mais, porém, foi não me ter esganado todo e entrar com os tais 2,43 milhões. Porque, pouco depois, a Yupido fez um aumento do capital social e galgou para os atuais 29 mil milhões, graças a outro ativo intangível. Mas, está fadado, nunca serei milionário. Nem a reboque.

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