Quando o ayatollah Khomeini tomou o poder no Irão, em 1979, surpreendeu-se com o apoio que lhe deram os Mujahidin do Povo, marxistas e esquerdistas, que haviam sido fundamentais no derrube do Xá da Pérsia. As mulheres iranianas, sobretudo elas, foram as primeiras a dar-se conta de que as grandes ideias de liberdade e igualdade podiam ser postas em parênteses para as mulheres, eternas vítimas, quando os revolucionários têm de pactuar para chegar ao poder. Os Mujahidin do Povo foram os cúmplices úteis que permitiram aos mullahs impor, sobretudo nas universidades, as suas ideias sobre as normas vestimentares femininas, lenço ou hijab à cabeça, sempre, e vestes largas de forma os contornos não fazerem pecar os machos... Apesar da cedência traidora, os esquerdistas acabaram também por cair em desgraça, foram perseguidos pelo regime islâmico e entraram em decadência, transformando-se numa seita. Ficaram as mulheres iranianas, todas, obrigadas aos seus cabelos sequestrados por um pano. Coisa pouca? Sim, se for pouca a obrigação de não poder dizer não. Quando a iraniana Maryam Mirzakhani, professora na Universidade de Stanford, foi a primeira mulher do mundo a ganhar a Medalha Fields, conhecida como o nobel da Matemática, os jornais do Irão fizeram cambalhotas para a mostrar ou só de face, sem cabelos, ou pintando-lhe um hijab que ela nunca usou. Nesse ano, 2014, já tinham sido multadas, desde a revolução padreca, 3,6 milhões de iranianas por andarem com o lenço mal posto em público. No ano passado, quando Maryam Mirzakhani morreu, de cancro cerebral, o presidente Hassan Rouhani, no seu elogio fúnebre, usou a foto da face dela, bela e luminosa, no Instagram, cercada por um quadro preto com equações matemáticas. A ciência permitia mostrar subtilmente uma luta mantida já há vários anos pelas mulheres iranianas - e de que se fala tão pouco. Não desta vez não se quer o Céu, nem a Grande Revolução, mas tão-só os cabelos ao vento. Um blogue, A Minha Liberdade Furtiva, convida as iranianas a fotografarem a sua liberdade despenteada. Um movimento, As Quartas-Feiras Brancas, mobiliza-as para naquele dia de semana elas levarem o que são obrigadas, o lenço, mas da cor única que grita um protesto. E uma luta, essa ainda mais admirável, pessoal e corajosa, leva uma indivídua (por favor, inventem essa palavra tão bravamente conquistada) a subir para um banco, uma caixa de eletricidade, um muro, sempre em público, e tirar o lenço ou o hijab, pendurá-lo na ponta de um ramo, e estendê-lo como há séculos a liberdade - a pequena, a quotidiana, a que é mais difícil - é conquistada. Minhas mães, minhas filhas, minhas mulheres, aceitem-me um piropo: obrigado.