Costa e a derrota da perlimpimpinagem
Em 2015, para encetar o seu Governo, António Costa anulou um Coelho (Passos) com um golpe de asa, a geringonça. E em 2019, no final do seu Governo, deu cabo de dois coelhos (Rio e Cristas) com uma só cajadada. Em ambas ocasiões, houve matreirice ou ciência de combate, escolham a versão que entenderem e satisfaça as vossas preferências políticas.
Mas uma coisa é certa, seja a que for que preferirem: em ambas ocasiões, um ganhou (Costa) e os outros perderam.
Mais importante, nas duas ocasiões aconteceu política. Na primeira, com a tal geringonça, aboliu-se a indecência que era o desperdício de mais ou menos um quarto dos votantes. A soma dos deputados do PCP e do BE ia para o Parlamento para criticar e emperrar, nunca com a intenção de se responsabilizar com soluções. A situação convinha à direita, pois aquela mutilação política enfraquecia as hipóteses de um governo à esquerda.
E convinha, e muito, aos próprios PC e BE. Ambos os partidos tinham a sua existência garantida de funcionários deputados, sem nunca ousarem a iniciativa privada de acrescentarem à política discursada o risco da política feita. Eis o que acabou em 2015, graças a Costa: quaisquer que sejam as esquivas dos comunistas e dos bloquistas todos sabemos que os últimos quatro anos foram governados também por eles.
A ideia de geringonça - no fundo, a assunção (não, não é essa Assunção, mas também por essa) de que todos os partidos são-no a parte inteira - ficou ilustrada, ironicamente, por uma foto que na semana passada parecia indicar o fim da geringonça. Numa sala do Parlamento, deputadas do BE e do PSD, do PC e do CDS, debruçavam-se sobre uma folha de papel, mancomunadas num interesse comum e sem esconderem o propósito de todas: governarem-nos juntas.
Amanhã, mais tarde ou mais cedo mas graças a 2015, talvez venhamos a ver sem espanto o BE e o CDS fazer acordos governativos, tal como hoje já vemos Louçã, no Conselho de Estado, a aconselhar Marcelo como se gere o Estado burguês. Acabámos com o exílio interior de parte importante dos nossos políticos. Felizmente.
Agora, maio de 2019, António Costa voltou a ter uma vitória definitiva sobre as más práticas - enfim, no sentido relativo que a palavra "definitiva" tem nas coisas dos homens. Ainda há dois anos, o primeiro-ministro aceitava que, em teoria, se pagasse tudo o que fora retirado aos professores nos anos de crise. Expliquemos o que isso significaria. Ao contrário dos filhos de deuses menores, os professores têm um critério de progressão na carreira que os leva ao topo só com o passar do tempo. O critério, acrescido ao facto de os professores serem uma multidão, e não só um punhado com aquele privilégio, tornava impossível aquele pagamento do ponto de vista financeiro.
Já antes uma ministra a sério da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, tinha visto o problema no seu osso: os bons não são o mesmo que os razoáveis. Uma profissão que educa os homens para vida, os professores, praticar o contrário daquela verdade alertou os que sabiam da necessidade da cultura de excelência. Mas essa evidência foi só para alguns, a ministra foi facilmente corrida pela massas reunidas por Mário Nogueira e pela complacência dos políticos (correligionários e adversários).
Ora, o que a presciência de alguns não conseguiu convencer o País, o factozinho dos números começou a fazer o seu caminho entre os mais responsáveis. Ainda há dois anos, os professores eram e só a capacidade de mobilização de Mário Nogueira - era onde estava a noção política de António Costa sobre assunto, daí ir empurrando o problema com a barriga. Os políticos são assim, muito instrumentais, muito práticos. Os melhores, porém, progridem e conseguem compreender pela prática que, se há obstáculos com que se tem de contemporizar, não há nada como realmente: não se pode pagar o que os professores querem. Não dá, porque não há.
A semana passada demonstrou que adiar o impossível não o torna exequível, piora-o. Adiar, voltou a dar ao PC e ao BE a ideia de que a política não é uma prática, mas pozinhos de perlimpimpim, e ao PSD e CDS deu a vontade de perlimpinarem também. Felizmente houve alguém que cortasse rente a deriva. Eu preferia que António Costa tivesse chegado lá convidando os partidos a resolver o problema maior nacional que é não haver uma cultura de excelência na mais importante das profissões, os professores? Preferia. Mas já me deixa consolado que entre todos os líderes partidários, o único que não foi tolo sobre questão tão grave tenha sido o que manda no Governo.
Ah, se António Costa ousasse ser o estratego que as certeiras táticas indiciam ele poder ser...