A medida de todas as coisas

Publicado a
Atualizado a

Na crónica de sábado, no DN, cometi um erro comum de cronista, dar de barato que quem me lia sabia do que eu falava. As consequências são geralmente irritantes para leitor. E o autor, merecidamente, pode levar com carimbo de ridículo. Porém, um erro desses pode ser (é a minha desculpa) por o cronista andar fascinado com algo que o possuiu a ponto de pensar universal o seu encantamento. Acontece que eu lera mais uma entrevista do médico patologista Sobrinho Simões, no jornal i. Como sempre de aprender e chorar por mais.

Ele disse-me que há "um milhão de anos, ou há 100 mil anos, quem fosse vegetariano, morria." E rematou: "Não tenho dúvidas, ficámos espertos porque comíamos muita carne." A outro passo da conversa, disse: "Os brócolos têm aí 15% de biologia connosco." E quando a entrevistadora (Marta F. Reis), tirando partido da consequência da tanta carne que os seus antepassados Cro-Magnon caçaram, brincou por podermos estar a fazer saladas com um nosso ascendente, o cientista não se importou de entrar no tom, relativizando os bróculos: "Primos afastados. Se for um pato já é menos afastado."

Ora bem, estava eu a aprender da melhor das maneiras, em sobressaltos sucessivos e com prazer, quando Sobrinho Simões me assustou com um tremendo assunto. Do meio de tema da época, incêndios florestais que já atingem a Noruega - o planeta, enfim, a destruir-se -, ele saiu-se com um diagnóstico que eu já fizera nas viagens de elevador no meu prédio: a falta de empatia. E nas crianças, Senhor! Sobre um medo fundo, nada pior para o leigo distraído que ver-se confirmado por um sábio.

E Sobrinho Simões foi por aí fora, tocando na ferida. "Os miúdos estão muitos centrados sobre si mesmos". "Não sabemos qual vai ser o resultado, mas existe um claro problema de socialização e comunicação". "Os miúdos não brincam uns com os outros, não é que sejam hostis ou mal criados, mas não constroem em conjunto". "O esgotamento da empatia é assustador"...

Então, imbuído destes avisos por quem de direito e ciência, acontece que há dias fui apresentado a uma nova criatura a quem devo o maior dos conselhos. Foi isso que fiz na tal crónica de sábado, no DN: olha à volta e nunca subestimes o mais importante. As pessoas. As pessoas. As pessoas. Poderá pensar uma mensagem pessoal, e é, mas permiti-me fazê-la no jornal porque Sobrinho Simões confirmou-me a urgência pública do assunto.

As pessoas. Entre cães estimáveis e deuses que reconfortam não sei bem o quê e paisagens admiráveis, entre tudo isso que deve ser respeitado - as pessoas, primeiro. Aproveitado a data da saída da crónica, o cinquentenário do homem chegando à Lua, mostrei, de uma foto tirada de outro Apollo e na mesma Lua, a primeira Terra vista inteira e brilhante, o Berlinde Azul. Imagem metáfora, vimos de tão longe a nossa bela e respeitável casa, porque somos. Nós, homens e mulheres, a medida de todas as coisas. Que nós, homens e mulheres, possamos ser os destruidores de todas as coisas, só pode ter um remédio: a atenção a nós.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt