A Menina do Malmequer voltou para dar uma mãozinha a Clinton

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Era uma menina loira e sardenta que contava as pétalas de um malmequer. Voz hesitante enquanto desfolhava, a menina trocava o seis pelo sete, chegou ao nove e, enfim, disse dez. Aí, a sua voz foi sobreposta por outra mais segura e de homem que também contava, firme e ao contrário: "Dez-nove-oito..." E, ao "zero", o anúncio televisivo a preto e branco - era 1964 - explodiu e mostrou um cogumelo nuclear. Diz-se que foi um dos anúncios eleitorais mais eficazes de sempre.

Os números indiciam isso, o candidato que pagou o anúncio, o presidente Lyndon Johnson, que concorria para repetir o mandato, arrasou o republicano Barry Goldwater. Este havia prometido uma solução para a guerra do Vietname, então a começar: o uso da bomba atómica. Não era esse o querer dos americanos que deram a Johnson a maior percentagem de sempre de votos populares (61,1) e pintou o mapa da América do azul democrata, com exceção de meia dúzia de estados.

O anúncio ficou conhecido como A Menina do Malmequer e a protagonista - Monique Corzilius Luiz, hoje com 55 anos e casada com um português - fez agora um anúncio para a campanha de Hillary Clinton. "Sou eu a Menina do Malmequer", diz, e explica porque volta: Donald Trump reintroduziu a ameaça de bomba nuclear numa campanha eleitoral. Foi uma das enormidades que ele gosta de lançar. Não foi exatamente a ameaça que mais preocupou, porque se entendeu ser mais uma boca que ele gosta de atirar em jeito de deslize. Aliás, a campanha democrata usa o argumento nem tanto para lhe mostrar o perigo, talvez improvável, mas para sublinhar a irresponsabilidade de Trump, "falta de sangue frio", como disse Hillary Clinton, na segunda-feira, no Ohio. O que não impede que o anúncio lembre as consequências: "Quando o presidente ordena, acabou, os militares não têm outra escolha senão premir o botão - e isso não requer mais de quatro minutos."

Mais do que a comprovada veia para a irresponsabilidade de Donald Trump, o reaparecimento da menina do malmequer revela que o lado democrata está verdadeiramente preocupado com o impulso recente do republicano. Depois do anúncio do FBI, na sexta-feira passada, sobre a reabertura das investigações sobre os e-mails de Hillary Clinton, os indícios são maus para os democratas. Volte-faces de políticos, como o de Paul Ryan, líder republicano da Câmara dos Representantes e ex-candidato nas primárias, que se recusara até agora a apoiar Trump, acabou por o fazer ontem. E, sobretudo, sondagens: a nacional do ABC-The Washington Post, que nunca dera vitória a Trump, põe-no agora com um ponto de avanço.

Sinais contraditórios aparecem sobre os votos antecipados (embora o dia eleitoral seja a 8 de novembro, em alguns estados é possível votar mais cedo). E se se notou um acréscimo de votos hispânicos, que em princípio beneficia Clinton, nos grupos negros e jovens (dos 18 as 29 anos), também mais favoráveis aos democratas, é inferior ao observado há quatro anos com Obama. O site político 538, o mais respeitado de análises de sondagens, ontem à noite fazia um debate entre os seus colaboradores sobre este tema: "Numa escala entre 1 e 10, quanto devem os democratas entrar em pânico?" A escala ia do 1 "preocuparem-se" ao 10 "passarem-se de todo"...

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