Licenciar leviandade

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Podemos começar pelo princípio? O princípio sendo o início mas também a ética: nunca fazer imputações, sobretudo de condutas reprováveis, sem provas. E, quando digo provas, refiro-me a factos nos quais, em boa fé, se possa fundamentar uma acusação pública.

Tomemos como exemplo o caso das duas licenciaturas que afinal eram frequências de licenciaturas do ex-chefe de gabinete do anterior e do atual secretário de Estado da Juventude e Desporto. O ex-secretário de Estado, que saiu do governo em abril, acusou, via notícia do Observador de 28 de outubro, o ministro da Educação de ter conhecimento da falsidade académica contida no despacho de nomeação desse chefe de gabinete, publicado em abril; o ministro negou; o ex-secretário de Estado veio dizer que houve um mal-entendido e afinal não pode afiançar que o ministro sabia.

Pelo meio, antes do recuo do ex-secretário de Estado, o CDS exigiu a demissão do ministro - no que foi precedido e secundado por vários colunistas. Um deles, João Miguel Tavares, veio ontem, no Público, fazer mea culpa, alegando sentir-se enganado pelo ex-secretário de Estado. Não dei conta de os outros que apontaram a porta da rua a Brandão Rodrigues terem feito o mesmo que JMT, mas, se pedir desculpas é bonito, melhor é evitá-las. Era muito grave o ministro saber que um chefe de gabinete do seu ministério tinha inventado licenciaturas e tê-lo ainda assim mantido - certo; se tal se provasse o ministro dificilmente podia permanecer no cargo. Mas se é óbvio, desde o início da história, que alguém está a mentir, por que carga de água, sem mais informação, se parte do princípio de que se sabe quem mente?

Como é que se desata a exigir demissões com base no que diz uma pessoa da qual só se sabe que se demitiu deste governo (o que para alguns será atestado de honradez) e em eventuais intuições ou simpatias/antipatias mais ou menos sectárias? Não é óbvio que o avisado é aguardar mais esclarecimentos ou, como fez o PSD (bem, malgrado o cadastro Relvas), exigi-los? O ex-secretário de Estado falou ao Observador de um e-mail que o ministro lhe teria enviado: não era de clamar que o mostrasse?

O problema é que este tipo de atitude se tornou tão comum que já ninguém parece reparar, muito menos indignar-se. Como se fosse indiferente acusar justa ou injustamente, como se imputar mentiras, desonestidades e comportamentos desprezíveis ou ilegais a uma pessoa, sem mais consubstanciação do que "cheirar-nos a esturro", não gostarmos dela ou dar-nos jeito, fosse perfeitamente aceitável. Perante tal, pergunto-me sempre que noção tem quem assim procede da importância do que é justo, do que é verdadeiro, do que é o bem; do que é a honra e o bom nome. Em nome de que princípios acusa outros da falta deles. É que, convenhamos, e para voltar ao exemplo, estranha-se ver tanta indignação com uma mentira - a falsificação académica - em quem demonstra ter uma noção tão instrumental da verdade.

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