Curso de direita constitucional

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Para tudo. Em desespero pela causa do ensino privado, uma parte da direita portuguesa abraçou-se à Constituição. Agora já não querem, como Passos, alterá-la para acabar com o princípio da gratuitidade do ensino público; isso agora não interessa nada. Descobriram que a lei fundamental garante, no artigo 43.º, "a liberdade de aprender e ensinar", e vai daí defendem que tal significa que os impostos de todos devem ser usados para sustentar aquilo que consideram "o direito de escolha"; no caso, o direito de pais colocarem os filhos em escolas privadas, mas sem pagar por isso.

Há mesmo quem, como é o caso do articulista do Observador Mário Pinto, defenda que não é só a Constituição a impor tal financiamento, é a própria legislação ordinária. Cita a Lei 85/2009, que alarga a escolaridade obrigatória até aos 18 anos, a qual reza sobre o dever de "o encarregado de educação proceder à matrícula do seu educando em escolas da rede pública, da rede particular e cooperativa (...) reconhecidas pelas entidades competentes", acrescentando: "No âmbito da escolaridade obrigatória o ensino é universal e gratuito. A gratuitidade prevista no número anterior abrange propinas, taxas e emolumentos relacionados com matrícula, frequência escolar e certificação do aproveitamento." Pinto junta a isto a Lei 35/90 e conclui o escândalo: há pelo menos 25 anos que o Estado está em falta com os estabelecimentos privados.

Infelizmente, esquece-se de explicar como é que essa sua interpretação convive com a obrigação constitucional de criação pelo Estado de uma rede escolar pública universal e com os diplomas, dessa obrigação decorrentes, que desde 1980 estabeleciam os "contratos de associação", definidos como os "celebrados com escolas particulares situadas em zonas carecidas de escolas públicas" (definição alterada pelo governo Passos em 2013). E menos explica por que carga de água andam os representantes do ensino particular e cooperativo sempre tão obcecados com esses contratos se, como sustenta Pinto, têm direito a receber por qualquer aluno da escolaridade obrigatória que neles se matricule.

Quem é que não se lembra, por exemplo, da gritaria do setor na campanha eleitoral de 2011, a ameaçar morte e ruína por o governo Sócrates fixar em 80 080 o valor por turma? Cinco anos depois, Passos fixou-o em 80 500; mas, em vez de se declarar agonizante, eis o setor em fúria por o atual executivo anunciar que os ditos contratos voltarão a só ser celebrados onde a oferta de escola pública é insuficiente. Alguém perceba esta gente, que em lugar de exigir que se cumpra o entendimento legal de Mário Pinto está há décadas a tentar transformar contratos de associação em "direito de escolha". Não se pode dizer que este professor catedrático de Direito do Trabalho na Universidade Católica e deputado da Constituinte pelo PSD não tenha tido tempo suficiente para os alertar para a sua maravilhosa descoberta. Por amor de deus, ninguém ouve o homem?

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