Um país, duas realidades

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Este verão pôs a nu duas realidades contrastantes: de um lado, um país que voltou ao crescimento económico com alguma robustez, com os agentes económicos em alta de confiança, o desemprego a baixar, o investimento finalmente a dar sinais de retoma e, em especial, o setor do turismo a ter uma performance que contamina um vasto conjunto de atividades, na construção e nos serviços. Durante o período de férias que passei em Portugal só ouvi elogios de turistas surpreendidos com a excelência dos nossos serviços e infraestruturas e do nível de preparação dos jovens portugueses com que se deparam. Com uma única exceção: as incríveis filas de espera nas entradas dos aeroportos pela escassez e deficiência dos serviços que controlam as entradas.

Depois, há outro país: o dos incêndios que fizeram a tragédia em vidas humanas e empobreceram justamente as regiões do país mais débeis económica e socialmente. O país onde se rouba com a maior facilidade armas e munições do Exército. O país onde o fisco trata os cidadãos como súbditos sem direitos. O país em que a Justiça não dá confiança aos cidadãos e às empresas. O país em que magistrados ameaçam com greves. O país em que a escola e a saúde geridas pelo Estado estão em permanente agitação. O país em que há cidadãos de duas categorias de direitos: os funcionários públicos e os trabalhadores do setor privado.

O país que fez a retoma da economia, que gerou confiança, que recebeu a avalanche de turistas e lhes prestou o melhor serviço, o país da inovação tecnológica que o DN tão bem divulgou durante este período, esse é o país dos empresários e dos trabalhadores que olharam a crise de frente e lhe deram a resposta que os dados económicos revelam.

Correspondeu o Estado que recebe os nossos impostos? Foi capaz de enfrentar com competência a prevenção e o combate aos incêndios? Foi capaz de nos explicar como sucedeu o roubo de Tancos? Conseguiu receber os estrangeiros nas fronteiras sem o triste espetáculo das filas de espera? Sabemos se o próximo ano judicial vai melhorar ou se a única agenda para o setor são os estatutos dos magistrados?

Claro que não atribuo ao governo os sucessos na economia, nem o culpo pelas dificuldades óbvias que resumi. Reconheço que o governo e em especial o Presidente da República souberam incutir confiança e otimismo aos agentes económicos, não obstante a base política de apoio ao governo ser hostil ao modelo liberal da União Europeia em que estamos inseridos. Por isso, nem a tragédia dos fogos diminuiu a confiança que o governo conquistou junto dos eleitores, como as recentes sondagens mostram.

Mas estamos ainda longe de consolidar as bases para um crescimento sustentado, o Estado e os privados têm um endividamento muito excessivo, o setor financeiro continua a "lamber as feridas" da crise que o devastou e perdemos os já enfraquecidos centros de poder económico durante esse período.

Precisamos de fazer as reformas que tornem o Estado menos oneroso e mais eficiente, aliviar o garrote fiscal sobre as famílias e as empresas, melhorar a gestão dos recursos públicos e privados.

Será que a atual base partidária do governo está disposta a enfrentar essas reformas?

E será que a oposição tem alguma alternativa? Ficará para um próximo artigo.«

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