Sem emenda

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Para uma avaliação objetiva das opções assumidas no Orçamento da maioria que sustenta o governo convém não esquecer o percurso que fizemos nas últimas décadas. No que tem de positivo e no que tem de negativo.

São muito positivos os progressos que alcançámos na Saúde, na Educação, na Segurança Social, nas infraestruturas em geral, garantindo aos portugueses índices de bem-estar em média ou mesmo acima da média da União Europeia.

Há que lembrar que a esperança média de vida é em Portugal superior à da média da União Europeia e, por exemplo, acima da Alemanha; a mortalidade infantil coloca-nos melhor do que a média da União Europeia, da zona euro e da Alemanha. No sistema de saúde, Portugal ocupa o 14.º lugar em 35 países europeus (Euro Health Consumer Index). Num universo de 138 países, Portugal ocupa a 9.ª posição na qualidade das estradas.

E os progressos não beneficiaram apenas os grandes centros urbanos e o litoral, estendem-se a todo o território, graças, em grande parte, aos autarcas, nem sempre reconhecidos com justiça.

A outra face da moeda é que os progressos não foram conseguidos com a riqueza que produzimos, em grande parte foram financiados com endividamento, do Estado, das empresas e das famílias. No caso do Estado, os défices sistemáticos ao longo destes mais de 40 anos originaram crises que levaram à intervenção do FMI em três vezes, a última das quais com o resgate da troika. A dívida pública atingiu 130% do PIB, o que nos coloca entre os países mais endividados do mundo. Sintomaticamente, o crescimento do PIB acumulado entre 2000 e 2016 está também entre os mais fracos da União Europeia.

Nada disto é novidade. Todos os partidos o sabem. Estamos agora a viver um momento de alívio, com méritos repartidos entre o anterior governo e a sua política de austeridade e o atual, que gerou um ambiente de confiança e beneficiou de um clima económico internacional bem mais favorável e do apoio do BCE. Mas o maior mérito na recuperação pertence aos empresários, que deram a volta, impulsionando as exportações, reestruturando as empresas, inovando tecnologicamente. A economia está a crescer, pelo boom do turismo e o bom desempenho das exportações. Mas cresce ainda insuficientemente, sendo as projeções para os próximos anos de desaceleração.

Precisávamos de crescer, em média, 3% ao ano para diminuir a taxa de desemprego abaixo dos 7%, aumentar os salários reais, preservar o essencial do Estado social, dar sustentabilidade à dívida externa e à dívida pública. Para que isto fosse possível era indispensável atrair investimento estrangeiro e nacional e moderar os gastos públicos. Infelizmente, os indícios apontam em sentido inverso. Com a melhoria das contas públicas, os partidos da atual maioria mostram-se insaciáveis no aumento da despesa pública e encontram sempre fórmulas de exigir mais aos contribuintes. Em vez de aliviarem as empresas estimulando o investimento, revogaram o alívio decidido pela anterior maioria no IRC e agravaram-no para algumas empresas, incluindo a banca, ainda mal refeita dos efeitos da crise. E agora atacam outro setor da economia de que dependem muitas famílias de pequenos rendimentos, os profissionais liberais.

E, talvez o pior de tudo, está criado um ambiente de incerteza na fiscalidade das empresas e dos particulares, de que é exemplo a recente proposta, chumbada na 25.ª hora pelo PS, da taxa sobre as produtoras de energia renovável.

Este caso é paradigmático por dois motivos: quebra a confiança dos investidores ao afetar a rentabilidade de empresas que o próprio Estado vendeu por um preço que teve em conta as condições de exploração existentes à data (caso da EDP) e põe em causa outros investimentos que foram feitos na expectativa da estabilidade do sistema instaurado pelo próprio Estado.

Não gostava de o escrever, mas ainda não será desta que aprendemos as lições do passado e corrigimos os erros que nos têm levado às crises que sempre se sucedem aos bons momentos.

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