Prudência e audácia
Confirma-se que a economia portuguesa está a arrefecer, com as exportações a abrandar e o investimento a não mostrar a robustez de que o país precisa para ultrapassar as debilidades que se mantêm, por uma dívida pública e privada demasiado elevada.
E a envolvente externa está a deteriorar-se, com as incertezas sobre o futuro da União Europeia, a crise política em Itália, as ameaças à estabilidade em Espanha, o aumento dos juros nos EUA, o caos a instalar-se no Brasil, a Argentina em apuros a precisar do FMI.
Um amontoado de incertezas que podem atingir-nos, em especial se as taxas de juro da nossa dívida se agravarem de modo significativo.
Perante uma conjuntura menos otimista, as políticas do governo só podem orientar-se para dois objetivos: controlo da despesa pública de modo a gerar excedentes orçamentais que permitam compensar a expectativa de juros mais elevados e crescimento económico que permita a sustentabilidade do Estado e a melhoria dos serviços prestados às pessoas, na saúde, na educação, na segurança social, na justiça.
É evidente que o primeiro-ministro e o seu governo sabem tudo isto e saberão que medidas tomar para conseguir aqueles objetivos. O problema é que conseguir controlar a despesa pública é um pesadelo para qualquer governo e estimular o crescimento económico, com mais investimento, sobretudo vindo do exterior, exigiria medidas ou inviáveis, como reduzir a carga fiscal, ou impopulares, como aliviar os impostos sobre as empresas, conceder fortes incentivos fiscais ao investimento estrangeiro, flexibilizar a legislação laboral, criar um ambiente favorável ao empreendedorismo. Ora, as pressões sobre o governo socialista são de sentido oposto, pela necessidade do apoio dos partidos à sua esquerda, que querem mais despesa pública, querem tornar a legislação laboral mais penalizadora para as empresas, e continuam com um discurso do passado que ignora as mudanças que o mundo conheceu com a globalização e a revolução industrial em curso, que exige permanente adaptação, flexibilidade, rapidez.
Mesmo no PS está a afirmar-se uma linha mais socializante, que pretende "domesticar" o capitalismo, com maior controlo da economia pelo Estado, num afastamento da matriz do PS de Mário Soares, que fez dele um partido do centro-esquerda, com preocupação social mas não hostil à livre iniciativa económica.
Estas dificuldades do governo poderiam ser uma oportunidade para a oposição de direita, se os seus partidos alinhassem num projeto alternativo, credível, gerador de confiança e entusiasmo nos agentes económicos, especialmente nas novas gerações, que percebem o mundo em que vivemos.
E com propostas concretas para a reforma do Estado, tornando-o menos oneroso e mais eficiente nos serviços que presta à comunidade, criando um ambiente mais propício ao crescimento da economia. Mas o que se tem visto no discurso do PSD e do CDS é uma oposição de desgaste ao governo com base em "casos" sem qualquer relevância para a vida das pessoas - como o recente aproveitamento de um mero lapso irrelevante do ministro Pedro Siza Vieira - e que têm como efeito a degradação da credibilidade de todos os políticos, desincentivando quem estivesse disposto a dar desinteressadamente o seu contributo à causa pública.
Reconheço que Rui Rio surgiu com outro discurso, mas o partido tarda em seguir-lhe o exemplo. Ou impõe a sua autoridade e conquista o respeito dos eleitores que deram aos partidos da direita maiorias de governo, ou estes partidos estarão reduzidos à esperança de ver o país numa situação dramática como aquela que levou à vitória da coligação Passos-Portas. Mas isso pode não acontecer e oxalá não aconteça.
Uma nota sobre o debate da eutanásia
Ao menos desta vez o Parlamento foi palco de um debate sério, embora vivo, em que foi possível compreender os argumentos dos proponentes dos projetos de admissibilidade da morte assistida de pessoas que conscientemente a pretendem e dos que se opõem a essa possibilidade. Esse debate era, continua a ser, necessário e deverá manter-se na sociedade. Compreendo as objeções, mas custa não reconhecer, às pessoas conscientes e em grande sofrimento, o direito a pôr termo a uma existência degradante.