Órfãos do PSD

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Num regime democrático a funcionar saudavelmente, no contexto europeu, é fundamental que os vários segmentos da sociedade e as correntes ideológicas se sintam representadas politicamente. É esse o papel dos partidos.

Vivemos em Portugal numa situação desequilibrada. Há um setor da sociedade que tem tido uma grande dificuldade em se afirmar política e culturalmente: o setor produtivo, os empresários, gestores, trabalhadores do setor privado que, afinal, geram a riqueza que o Estado distribui.

Ao contrário do que sucede na generalidade dos países que partilham a comunidade europeia, não tem havido em Portugal um partido que, sem complexos, represente os defensores da liberdade da iniciativa privada, de um Estado sóbrio e regulador, de uma fiscalidade contida que não se aproprie de uma boa parte da riqueza produzida pela sociedade civil.

Este défice de representação resulta em parte das circunstâncias revolucionárias em que se implantou o atual regime e a criação dos partidos políticos com expressão significativa.

No clima revolucionário de 1974/75 todos os partidos que resistiram se afirmaram, ou socialistas, ou próximos do socialismo. À exceção do CDS, todos votaram a Constituição de matriz socialista, incluindo o PPD/PSD.

O Dr. Mário Soares dizia que social-democrata era o PS, não o PSD.

Essa ambiguidade do PSD atravessou os mais de 40 anos do seu nascimento. Com as suas vantagens, mas também com os seus inconvenientes para o sistema político.

Essa ambiguidade permitiu as maiorias absolutas de um só partido com Cavaco Silva, em coligação com o CDS com Sá Carneiro e Freitas do Amaral, com o PS com Mário Soares e Mota Pinto e, por último, de novo com o CDS/PP com Passos Coelho e Paulo Portas.

O PSD pôde manter essa ambiguidade enquanto o espectro da governação excluiu os partidos à esquerda do PS.

Nesse contexto histórico, agora rompido com a geringonça, o PSD e o PS tiveram de conquistar o Centro (os eleitores autónomos dos partidos) para alcançarem o poder.

Com a atual fórmula governativa, o PS tem uma alternativa para se manter no poder: basta conciliar as exigências decorrentes da pertença à União Europeia com algumas concessões aos partidos à sua esquerda.

Se o PS se inclinar, por convicção ou oportunismo, a aceitar as exigências dos partidos à sua esquerda, descurando o centro, o PSD poderá, de novo, explorar o seu pragmatismo não ideológico, afirmando-se mais social-democrata, rompendo com o passado recente. Penso que é isso que vai acontecer com qualquer dos dois candidatos que se perfilam à sucessão de Passos Coelho.

E isso é bom para a democracia?

Acho que não. Os setores mais dinâmicos da sociedade continuarão a não se sentir representados politicamente. O país continuará a ter dificuldades em manter as contas públicas saneadas, a atividade económica não terá o impulso desejável, continuaremos com Estado a mais e fiscalidade insuportável.

Mas o PSD de Passos Coelho agravou a perceção dos eleitores sobre soluções de cariz liberal.

Ao identificar austeridade, corte de salários e pensões e maior carga fiscal com "liberalismo económico", o PSD tornou ainda mais difícil realizar as reformas de que o país necessita - as "reformas estruturais" de que falava Mota Pinto.

O espaço do centro-direita ficou ainda mais órfão quando o PSD votou com os partidos da extrema-esquerda contra algumas iniciativas do PS que os parceiros sociais representantes dos empresários e da UGT apoiavam.

É um mau legado.

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