Nada mudou, nada mudará

Na passada terça-feira foi lançado o livro 40 Anos de Políticas de Justiça em Portugal, uma obra que reúne várias dezenas de contribuições de autores e de testemunhos sobre a Justiça e as reformas empreendidas desde o 25 de Abril de 1974.

Poucos se debruçarão sobre esta obra. É pena.

Os portugueses têm uma opinião muito negativa sobre o nosso sistema de justiça: não cumpre a sua função com eficiência, devido à lentidão com que resolve os casos que lhe são submetidos pelos cidadãos e empresas e não merece confiança.

Esta conclusão não é da minha autoria. A excessiva morosidade dos processos é medida por estatísticas oficiais e a falta de confiança tem sido apurada nos vários inquéritos realizados por instituições fidedignas.

Os tempos de decisão dos processos são dos mais longos entre os países da União Europeia e o número de processos pendentes "é também extremamente elevado relativamente aos restantes países da União Europeia" (Célia Costa Cabral, pág. 551 da obra citada).

Por outro lado, "a maioria dos portugueses não confia no seu sistema judicial" (Pedro Magalhães, pág. 659).

Confia menos do que os cidadãos dos países que nos são próximos (Espanha, Itália, Chipre, Grécia) e muito menos do que as populações dos países do Norte da Europa. E, ao contrário do que algumas personalidades influentes do sistema têm dito, as opiniões dos que contactaram diretamente com o sistema são ainda mais negativas do que quem nunca teve esse contacto.

À pergunta porque são ineficazes as reformas, um dos autores escreve: "Há consenso quanto aos sintomas da crise da justiça: morosidade, congestionamento e ineficiência dos tribunais. Mas, para resolver o problema, não basta diagnosticar os sintomas, é preciso diagnosticar corretamente as suas causas e compreender em que medida são causas estruturais ou conjunturais." (Conceição Gomes, pág. 733 e segs.).

Os sucessivos governos têm feito reformas da legislação processual, procurando simplificar os processos, retirar direitos às partes, eliminar recursos; o Código de Processo Penal, aprovado em 1987, foi alterado cerca de 20 vezes e o Código de Processo Civil, aprovado em 1961, foi alterado à volta de 60 vezes; desde a última reforma, em 2013, já foi alterado várias vezes.

As reformas foram bem intencionadas, mas não trouxeram benefícios com impacto na eficiência e na confiança.

As corporações repetem diariamente que têm falta de recursos, mas a realidade é que desde os anos 1960 o número de juízes multiplicou-se por mais de 7,1 vezes e o número de magistrados do MP por 7,4. No entanto, o número de processos entrados por tribunal não chegou a duplicar. Os recursos financeiros afetos ao sistema judicial, relativamente ao PIB, mostram que Portugal não é dos que gasta menos no sistema.

Na minha opinião, as causas da falta de eficiência e de confiança na Justiça não estão na falta de meios humanos e financeiros, nem nas reformas da legislação sobre os procedimentos judiciais.

E há uma comparação que deixa a Justiça numa situação desconfortável, quando olhamos para o que o país conseguiu nos setores da Saúde e da Educação. Na Saúde, o que conseguimos no aumento da esperança de vida e na diminuição drástica da mortalidade infantil pode deixar-nos orgulhosos. E na Educação, não obstante o enorme atraso com que partimos, fomos sempre melhorando. A confiança dos portugueses na Saúde e na Educação suplanta em muito a confiança na Justiça.

No entanto, os políticos, todos os políticos, não têm uma palavra a dizer sobre a crise da Justiça. Na última campanha eleitoral (2015) o tema foi ignorado por todos os partidos políticos nos seus programas eleitorais. Os eleitores estão desprovidos de mecanismos corretivos do sistema de justiça. A eleição do Presidente e a alternância democrática do governo em nada influenciam e em nada podem corrigir o funcionamento do sistema. O lema é "À justiça o que é da justiça, à política o que é da política"!

Todos os anos assistimos aos discursos da abertura do ano judicial decalcados dos anos anteriores. Nada mudou, nada mudará.

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