II Guerra Mundial prova que Brexit é um erro brutal
1. Uma coisa é compreendermos a Segunda Guerra Mundial ou estudarmos algumas batalhas, outra coisa é vermos (literalmente) cada jogada militar num contexto geoestratégico - a Guerra do ponto de vista do território, da logística e da ciência envolvida.
É surpreendente o documentário que o Canal História tem em exibição esta semana sobre a "II Guerra Mundial vista do espaço". São 90 minutos da melhor investigação, apresentada em grafismo 3D e estatística.
Dois exemplos: como era bloqueada a cadeia de importações inglesas através de submarinos alemães que afundaram milhares de navios nas rotas comerciais? Ou qual o poder de fogo aéreo que fez do ataque a Tóquio o mais devastador da História a uma só cidade - se excluirmos a exceção brutal que foram as bombas atómicas de Hiroxima e Nagasaki.
Todas estas informações são acompanhadas com uma densidade impressionante sobre número de baixas humanas (78 milhões, detalhadas país a país), recursos consumidos, territórios ocupados em área e relevância política e - não menos importante - os custos de algumas das operações de guerra e o seu financiamento.
Ao contrário do que é habitual, não temos uma visão apenas assente em imagens da época (nesse tema há uma boa série documental atualmente em exibição também no História sobre a Guerra Fria que segue essa matriz). Mas neste extraordinário "II Guerra Mundial vista do espaço" a perspetiva é a de quem está a ver o globo terrestre a partir de um satélite. E isso é realmente inovador e traz ângulos que nenhum livro consegue correlacionar desta forma.
Quanto combustível existia na América ou na Alemanha para a guerra prosseguir?
Como se fez o transporte da mala com informações científicas entre o Reino Unido e os Estados Unidos onde estavam os estudos sobre as bombas atómicas?
Quantos pares de botas ou rações de combate foram enviados dos Estados Unidos para a Rússia na ofensiva final contra Hitler?
Qual a principal rota logística usada pelos americanos para abastecer os soviéticos no final da Guerra?
Ainda por cima sabemos que, se por um lado uma boa parte dos ingleses até nem se importava de deixar a França nas mãos de Hitler, também os norte-americanos estavam nesse registo: 76% defendiam uma posição de neutralidade no início da II Guerra Mundial.
2. A salvação da Europa nasce com o ataque japonês à frota americana em Pearl Harbour e na subsequente aliança Japão-Alemanha. Os americanos foram então dar a mão a Churchill (mas exigindo em simultâneo ficar com as rotas do seu império...). Da mesma forma com Estaline: uma ajuda na Europa em troca da guerra firme contra o Japão a Oriente.
Soberania inglesa? Nenhuma. Tudo se comprou e vendeu. Estado de desespero. Política.
Quando visto em perspetiva, percebemos que o poder dos Estados Unidos no século XX começa na entrada numa Guerra que tentavam ignorar. E é nesta passagem do isolacionismo para o multilateralismo que a preponderância se constrói. Passados mais de 70 anos, só Trump quer começar a apagar essa herança.
É, aliás, a poderosa máquina de guerra que coloca os americanos na vanguarda da economia. E fá-los ir tão longe que, depois da Guerra, o presidente Truman vê uma oportunidade de criar um Plano Marshall para a Europa, ou seja, reconstruir a Europa devastada pela Guerra. Nunca esquecendo: ao mesmo tempo garante um novo ciclo de prosperidade para a sua economia doméstica.
O mesmo se pode dizer dos ingleses, hoje, relativamente ao Brexit, mas pela negativa. Uma ideia extrema de orgulho nacional pode descambar na perda de noção do poder real para todos desse bloco chamado Europa . A Inglaterra tem um Império na cabeça que já não existe em lado nenhum.
Aliás, recuemos: basta ver a vulnerabilidade dos ingleses no arranque da ofensiva de Hitler para não ser possível ter em conta que Churchill, sim, foi um grande líder, mas quem ganhou a guerra foi a máquina bélica americana.
Não deixa de ser assombroso o tremendo erro e injustiça histórica dos ingleses ao votarem contra Churchill dois meses depois deste vencer a guerra. E com isso entregaram ao inexperiente Clement Attlee a condução da negociação política do pós-Guerra. Claro, tudo ficou nas mãos de Truman e Estaline - e onde naturalmente o Reino Unido desapareceu enquanto voz de referência.
Churchill viria a reconquistar o poder em 1951 mas, nessa altura, já demasiado desgastado depois da depressão profunda que a derrota de 1945 lhe causou.
Seria importante que o Reino Unido mantivesse a memória de um Churchill herói, mas em simultâneo, um estadista que percebeu ser incapaz de resistir sozinho. A estratégia essencial de Churchill foi a de tentar evitar o isolamento para poder resistir a uma potência mais forte, neste caso a Alemanha. Exatamente o contrário do que os britânicos estão a fazer ao desejarem um Brexit que os minimiza em todas as áreas.
Por isso mesmo, o atual momento do mundo é tão delicado. A Rússia volta a ser um país com uma ambição imperial/global. Os Países do Báltico e escandinavos vivem em ansiedade depois do que aconteceu na Ucrânia. E o que têm os ingleses a dizer sobre isto?
Entretanto, a Europa sem o Reino Unido fica muito mais fraca, particularmente num momento em que Trump corrói sistematicamente o poder na OTAN (NATO).
Está a Europa dependente da China para acalmar o urso russo? A compra pela China, de 300 Airbus, na visita a Emmanuel Macron esta semana, é um dado de uma grande importância quanto às prioridades de cada um dos blocos? A China passa a ser o parceiro fiável da Europa? E que América é esta América de Trump?
Não estamos atualmente num cenário de guerra massiva, como foi a II Guerra Mundial. Mas a guerra económica está aí. E como se pode ver na "II Guerra Mundial vista do espaço", é a obtenção de recursos para mover a economia e aplacar as opiniões públicas, que faz hoje mover o mundo. Dividir para reinar interessa sobretudo às grandes potências e a Europa começa a deixar de se poder considerar como sendo uma delas. Exceto se... os ingleses recuarem no Brexit. Não o farão... são demasiado orgulhosos (neste caso pateticamente orgulhosos) para reconhecerem um erro. Vamos todos pagar isto. Churchill revolve-se no túmulo.