Alta velocidade, PANdemónio e Elisa no sítio certo

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1.
E de repente, parece haver um consenso sobre a ferrovia. À esquerda já existia mas Rui Rio também veio anunciá-lo pelos sociais-democratas, uma espécie de sacrilégio. O velho PSD abanou, de que foi exemplo José Miguel Júdice: no seu comentário semanal na SIC Notícias tratou de desfazer o líder do seu ex-partido. E, como se notou por Júdice, interessa pouco o que está em causa. Conta a tática. É um "investimento público colossal e o PSD não devia apoiar algo assim". Ora, talvez para Júdice só faça sentido apoiar grandes empreitadas com parcerias público-privadas que, entretanto, pagamos a peso de ouro até à eternidade (o caso da Brisa e das outras concessões de auto-estradas são flagrantes). Comboios? Que desgraça...!

Ainda assim, vejamos o caso, por partes. A Linha do Norte aguenta por mais quantas décadas? Além disso, as mercadorias continuam a sair do país essencialmente por rodovia, sem poderem circularem na ferrovia de bitola europeia. Mas nós continuamos a enviar semanalmente mais de 13 mil camiões para a Europa - 13 mil! Até quando deixarão os espanhóis - e sobretudo os franceses - passar as nossas exportações de elevada pegada carbónica?

Portanto, quando se fala em construir linhas de comboio novas, não estamos a falar em TGV (como Sócrates nunca soube explicar). Podemos ter Alfas a circular cem novas linhas com velocidades regulares de 150 ou 200 km/h. Ou comprar novos comboios, ultra-rápidos - a 300 km/h. Tal como podemos comprar um Ferrari ou um Renault Zoe, depende do que quisermos investir. Mas podemos continuar mais quantos anos sem investir numa nova ligação ferroviária entre Porto-Lisboa? Ou, melhor dito, e a longo prazo, entre Valença e Faro, com duas saídas pelas fronteiras de Vilar Formoso e Caia?

Claro, podemos ficar todos a viver na Avenida Liberdade, juntinhos ao dr. Júdice. Mas julgo que Lisboa não tem espaço para todos. Ainda assim, se for a única solução, há sempre um plano B: basta aumentar a rede de Metro até Setúbal e Leiria. Ainda assim a aposta teria de ser na ferrovia (e com investimento público)...

2.
Gostar-se ou não do PAN, eis a questão. Em teoria sim. Melhor ambiente, maior proteção animal, metas de descarbonização mais ambiciosas. Tudo certo. Melhor futuro para as novas gerações. Ótimo. Só que tudo isto tem de ser integrado numa ideia coerente. E André Silva optou por um tom de metralhadora. E isto não casa com a suposta fórmula "zen" do PAN.

As exigências de André Silva tornam o tom inquietante, mesmo quando se concorda com os argumentos, como é o meu caso. Não é coerente querer melhor ambiente, com menos pegada ecológica, e depois não se querer contas públicas equilibradas.

Em concreto: quando o PAN critica o Governo por ter um saldo primário positivo no orçamento e acha que, na verdade, se devia gastar mais mil milhões (um défice de 0,5 por cento) falha nesta ideia de "menos". Não crescer economicamente pelo carbono ou pelo défice são duas faces da mesma moeda. Porque é muito fácil dizer aos eleitores que deve haver menos "economia dos patrões" mas depois omite-se o "sacríficio". E sejamos claros: só há haverá uma verdadeira mudança estrutural no planeta quando mudarmos o estilo de vida de milhões de pessoas e isso é difícil e duro de ouvir. Sem isso, as medidas políticas não atingem resultados. E isso não dá votos.

Diminuir o endividamento das gerações futuras é uma ideia essencial e também carbono zero. Portugal tem uma dívida pública impagável por décadas. Quanto mais coleciona défices, todos os anos, mais a dívida aumenta. Mais juros pagamos. E nunca nos livramos disto, até ao infinito, vivendo dependentes dos especuladores e dos mercados.

Sem o PAN assumir coerentemente o princípio do "equilíbrio orçamental", sejam quais forem as metas temáticas, torna-se num clone verde da velha extrema-esquerda no estilo e no método - só que sem Marx. E para mim, que prezo os temas do Ambiente, encontrar uma retórica sem gradualismo, acompanhada de lassidão nos gastos, é a pior das fórmulas. André Silva está a conseguir atrair mais ódios aos temas do ambiente (e dos direitos dos animais) do que atrair pessoas novas para estas duas importantes causas. É o pior de dois mundos.

3.
Há muitos anos que conheço Elisa Ferreira e já toda a gente, transversalmente, lhe reconheceu a competência. Avançando este ponto, assinalo apenas este facto: Elisa poderia certamente ter tido uma pasta teoricamente mais importante, mais financeira - fez um notável trabalho no Parlamento Europeu nesta matéria - e estar agora coberta de elogios pré-concebidos nos comentadores de "economês" que vêm o mundo por caixinhas de importância.

Ela fez o que lhe é habitual: optou por ir para o centro do furacão e onde se pode mudar efetivamente o mundo. Desigualdades regionais, Reformas da União Europeia, Transição Digital e Climática, desenvolvimento sustentável das cidades europeias bem como das zonas rurais e ultraperiféricas, etc... Podia ser mais aliciante?

Há um dado biográfico na sua carreira que explica esta pasta. Sim, houve a passagem pelos Ministérios do Ambiente e Planeamento dos Governos Guterres, cargos importantes no Parlamento Europeu, etc., mas é preciso recuar mais. No final da década de 80 teve um cargo executivo com desempenho exemplar na designada OID - Operação Integrada de Desenvolvimento do Vale do Ave, aquando da sua passagem pela Comissão de Coordenação da Região Norte.

Viviam-se tempos caóticos: falência da têxtil tradicional, desemprego e um caos ambiental. O Rio Ave era uma nódoa negra (e vermelha, e azul...) na região. Tudo ia lá parar. Elisa conseguiu transformar o rio num curso de água limpo, até hoje.

Portanto, não é apenas o know-how político que a recomenda. É saber fazer, em concreto, a par de uma notável capacidade para negociar. Pensar a Europa e gerir fundos a esta escala é algo que lhe está no sangue e nós, portugueses, que sabemos fazer muito com pouco, temos provado que colocados nos melhores lugares do mundo, também saber gerir milhões de milhões.

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