E se Rio, Catarina e Ventura fossem pedir o dinheiro​​​​​​​ a Ricardo Salgado?

Vamos brincar ao populismo? Comecemos então por dizer que o (alegadamente) criminoso Ricardo Salgado é o responsável por este país estar de rastos há seis anos. Que tal uma vigília à porta da casa do senhor para o colocar debaixo da ponte ou metê-lo na cadeia à força? E que tal nacionalizar tudo, dele e da família, e dos amigos, e dos amigos dos amigos por onde alguma vez circulou dinheiro, tudo isto sem tribunais nem julgamentos, e pegássemos nessa massa de liquidez e ajudássemos a pagar a dívida do Novo Banco? A arrecadação seria certamente superior a 476 milhões.

Bom... isto não era justiça. Mas se perguntássemos à esmagadora maioria dos portugueses se o devíamos fazer, provavelmente algo assim ia avante. Só que a diferença entre a vontade da maioria e a concretização dessa vontade, é a lei, partindo do princípio que vivemos num Estado de Direito.

O que os populistas fazem sistematicamente é tentar-nos confundir. Recordemos: a vontade da maioria não é a lei de um momento para o outro. Mudar a lei obriga a definições de casos, abstratos, e votações no Parlamento que respeitem os princípios da Constituição. Nada isto deveria estar à mercê de justicialismo instantâneo. O que vimos ontem foi justicialismo instantâneo sobre dois contratos da máxima responsabilidade, celebrados pelos órgãos competentes do Estado português, numa decisão que gera consequências retroativas sobre esse contrato.

Para este livre-arbítrio poder vingar como regra numa sociedade, é necessária um persistente e eficaz terrorismo-sniper, por via do soundbyte. Catarina Martins e André Ventura fazem-no quotidianamente. Rui Rio sempre foi contra isso. Foi. Mas descobriu que a sua sobrevivência política no PSD só ocorreria se alinhasse, via extremismo, com a ala Passista, onde se federa a grande direita descontente, que quer expulsar Costa a qualquer preço.

A questão é esta: no pós-Rio, o PSD é mais "Jorge Moreira da Silva" ou "Pedro Passos Coelho"? Está à vista que o velho PSD está suspenso e não volta ao centro. Portugal está nas mãos dos extremos.

Voltemos ao Novo Banco. Há pessoa mais informada e competente no Parlamento sobre o Novo Banco/BES que Mariana Mortágua? Não há. Mas isso não chega para tornar o Bloco numa força política responsável neste tema. Mariana Mortágua sabe que não é possível corrigir na perfeição a absurda decisão de deixar colapsar o banco com estrondo. Passos e Maria Luís Albuquerque quiseram ficar na história como os incorruptíveis, mesmo que a conta fosse do país para muitos anos.

Mariana Mortágua sabe que a separação banco bom/banco mau foi uma tragédia, mal desenhada, tal a pressa da Resolução. Mais: ninguém teve força para exigir a restituição dos 3,6 mil milhões de euros do BES Angola (avalizados por José Eduardo dos Santos), valor astronómico de que o Governo PSD/CDS e o Banco de Portugal abdicaram sem pestanejar no dia 3 de agosto de 2014.

Factos como estes tornam inacreditável ouvir-se ontem Manuela Ferreira Leite na TVI 24 a elogiar Rui Rio, equiparando toda esta complexidade à previsibilidade do custo de uma viagem entre Lisboa e Queluz de Baixo. Como se essa tal viagem, de preço médio facilmente determinável, comparasse com a alienação (obviamente volátil) de ativos do Novo Banco. Pior: ignorou as sistemáticas auditorias sobre o banco que demonstram quão difícil é o contexto das vendas sob pressão. Porque é impossível determinar em absoluto o que é um bom negócio quando a estratégia é vender o mais depressa possível. Só quem nunca vendeu nada de substancial pode ter tantas certezas sobre o que é vender bem ou mal. Quem nunca desejou voltar atrás num negócio?

Sabemos que a Lone Star, dona do Novo Banco, não é uma entidade altruísta ou interessada no bem nacional. Mas, a verdade, é que foi a única a querer comprar aquela carcaça. Nenhum banco português quis assumir este papel.

"Depois lá tem de vir o PSD endireitar isto", concluiu a antiga ministra das Finanças de Cavaco, ignorando que foi o PSD a desligar a máquina ao BES, já após a saída de Salgado, como se um banco morto (Novo Banco) fosse mais valioso que um ainda vivo e com uma marca centenária.

Podemos zangarmo-nos com Costa, ou com qualquer Governo que tivesse de gerir este caos. Mas quem conseguiria resolver isto muito melhor? Como prová-lo?

Aliás, não conheço as pessoas que estão ligadas ao Novo Banco, mas não queria estar na pele deles. Profissionalmente são considerados, nos dias bons, como incompetentes. Nos maus, daí para baixo.

Repitamos este ponto: os 476 milhões de euros são um empréstimo ao Fundo de Resolução. É um empréstimo ao sector bancário, não uma despesa definitiva do Estado. Os bancos têm de devolver estes empréstimos ao Estado, com juros. Foi assim em toda a Europa depois da crise de 2008. É aos bancos, essencialmente, que cabe salvar o sistema. São os seus acionistas que estão a pagar a conta do BES. Sim, são os acionistas, os trabalhadores da banca e os gestores quem devolverão, por muitos anos, ao Estado português, a conta daquele caos de Ricardo Salgado. Uma fraude gigantesca ignorada durante mais de 10 anos pelo Banco de Portugal.

Algo mais interessa ao PSD ou ao Bloco ou ao PCP que somar pontos? O preço deste número de circo parlamentar na credibilidade internacional de Portugal pode ser superior aos 476 milhões de euros ontem boicotados. Se os juros da dívida portuguesa subirem, muitos milhões vão para a mão dos especuladores. E não voltam. Isso, no entanto, não abala as certezas de tanta gente que quer sempre mais auditorias. Porque Novo Banco = revolta popular.

Os deputados, tal como outrora Salgado, agiram ontem como vivendo numa esfera paralela, sem dor nem consequência. Rui Rio, outrora um político do mundo real, chegou a Lisboa para ali ficar, supõe ele. Decididamente: Camilo é eterno.

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