Duplicamos os casos em Abril. Não foi necessariamente mau
Sucesso? O copo está meio-cheio/meio-vazio, dependendo do que se quiser ver. A evolução do número de casos é boa: 1 a 2% ao dia. A tal taxa de transmissão (R0), em que cada pessoa só contagia outra (ou ainda menos, como os 0,92%, à data de ontem), também é assinalável porque garantiu a resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Ainda assim... porque não foi mais longe o Governo em Abril?
Se o tivesse feito, não era impossível estarmos com menos de 100 novos casos por dia. O país abriria com mais folga. Um melhor resultado dependia, no essencial, de uma ou duas semanas de paragem de toda a economia, como fizeram os países de sucesso (nórdicos, Áustria, etc...)
António Costa não foi por aí. Duas razões podem ter gerado esta "flexibilidade" portuguesa.
A primeira, o custo. Parar todas as atividades bloquearia ainda mais a economia e as contas públicas. Sublinhe-se, no entanto, que uma parte dos 75% que ficaram em casa pagaram economicamente este sucesso. E, dentre estes, a principal fatura está na conta das pequenas empresas, sobretudo das mais débeis - principalmente as que nem sequer têm números saudáveis para terem direito ao lay-off ou aos empréstimos Covid e vão acabar por fechar. Além disso, há perdas quase totais de rendimentos nos recibos verdes e profissões liberais.
Torna-se, por isso, absolutamente necessário, ainda que assustador, abrir a economia, mesmo que haja tão pouca margem de manobra face ao "R0".
Repare-se: nos primeiros 30 dias Covid, de 2 a 31 de Março, registaram-se 7443 casos (média de 248 por dia), apesar de um confinamento quase automático da população desde meio de
Março. Nos 30 dias seguintes, de 1 a 30 de Abril, mesmo com o confinamento consolidado dos 15 dias anteriores, surgiram 17.602 casos novos (média de 587 por dia). Mais do dobro nominalmente, ainda que sem crescimento exponencial. Note-se: com o país fechado, e sem Páscoa, sem nada.
Assim sendo, como vai ser agora, sem confinamento? Não temos grande margem, a menos que... mudemos o critério do pânico.
Quantos casos novos diários enchem as 4000 camas covid do SNS? Talvez uma média diária de 800 casos (tendo por base uma transmissão "R0" abaixo de 1). A Direção Geral de Saúde deveria dizê-lo sem receio. A sociedade portuguesa tem direito a sabê-lo.
Outro ponto: sabendo-se que morrem 300 pessoas por dia em Portugal, um risco de 100 ou mais vítimas Covid diárias é socialmente suportável?
Há ainda outra razão pela qual o Governo pode não ter travado a economia a fundo em Abril: se o vírus não desaparece e o SNS está a aguentar, porquê bloquear radicalmente a progressão da fatal imunização coletiva? Se ela for feita lentamente, mantemos a curva achatada.
Creio que se o Governo pudesse escolher um número mágico, não se importaria de ter 500 casos por dia. A especialista em matemática da epidemiologia, Gabriela Gomes, explicou com graficamente na SIC-Notícias, domingo à noite, que a progressão da imunidade está a acontecer e gerará vagas distintas em função da velocidade/confinamento. Segundo ela, Portugal terá uma segunda onda, mais moderada que esta, no final do ano, se as medidas de abertura forem gradativas e houver uso de máscara. Mas Espanha não voltará a ter uma onda tão violenta, enquanto a Áustria, pelo contrário, terá um pico enorme (devido ao sucesso na contenção desta primeira onda).
Gabriela Gomes acrescentou que, provavelmente no final de 2021, a imunização à covid-19 estará feita, tornando em parte desnecessário vacinar 10 milhões de pessoas, exceto para os grupos de risco. Isto dependendo, claro, da imunização natural ser efetiva - facto que por vezes tem sido questionado.
O Governo não estará indiferente a esta hipótese, apesar de estarmos ainda muitíssimo longe de qualquer imunização coletiva. Daí essa ideia, implícita: ir-se fazendo o caminho.
Por fim, gerir o contágio da Covid necessita agora, em simultâneo, de um plano mais arrojado para a outra doença grave, a economia, de forma a evitar o colapso de setores inteiros. "Para ver uma luz ao fundo do túnel, tenho de me manter vivo", disse ontem acertadamente o primeiro-ministro na RTP a propósito da crise que estamos a viver. E, de facto, esta frase é aplicável também a milhares de empresas. Foi, aliás, exatamente isto que Passo Coelho e Vítor Gaspar não perceberam na calamidade anterior, o que tornou a nossa retoma ainda mais difícil. António Costa e Mário Centeno sabem isso melhor que ninguém.