Covid: se as escolas falharem, a economia volta a parar
Nem a dificílima gestão da crise covid conseguiu amenizar o (intrínseco) trauma "défice" do Governo. Por vezes poupa-se onde é óbvio que se vai gastar muito mais a seguir. Desta vez parece estar iminente um falhanço enorme nas escolas - tal como aconteceu no surto de Lisboa ou nos lares. Liga todos estes casos o mesmo tópico: falta de recursos humanos. Vamos pagar a mais professores para estarem nas escolas ou aos pais para ficarem em casa com os filhos?
O problema é este: o Ministério da Educação deu ou não instruções claras aos Conselhos Diretivos para fazer turmas mais pequenas e organizar mais horários? Ontem, no Parlamento, a oposição chamou à atenção por só no dia 4 de setembro terem finalmente chegado às escolas as orientações do Ministério da Educação. O Governo defendeu-se dizendo existirem orientações desde 3 de julho.
Vale a pena acompanhar-se esta questão nos próximos dias para se perceber quem fala verdade. Aliás, o apuramento é simples: se o Governo pediu turmas mais pequenas, na segunda-feira isso estará à vista. Não é igual ter-se 20 ou 25 alunos por sala, em contraponto a um máximo de 10 ou 15.
Bem sabemos que grande parte do risco de contágio nas escolas está nos intervalos das aulas e em muitas outras atividades sociais extraescolares, mas o tempo em sala é significativo em cada dia. E quando chegar o outono/inverno, vem a tosse e, então aí, sem distanciamento ideal, a probabilidade de propagação é ainda maior.
Se juntarmos a isto um conflito latente entre sindicatos dos professores e Ministério da Educação, temos uma tempestade perfeita: quem quer realmente as escolas a funcionar em pleno? Os alunos não decidem e os pais não podem dizer que preferem estar em casa. A chave são os professores. O que pensam? Seria absurdo fazer-se um processo de intenções sobre uma classe tão diversa. Entre professores de diferentes idades, alguns com risco acentuado, e outros que preferem estar na escola a 100%, teria sido possível compatibilizar (em vez de se extremar) esta crise com mais gente a assegurar efetividade de aulas?
Acredito que a esmagadora maioria dos professores queiram ir para a escola e estejam conscientes da sua imprescindível missão: não há mais nenhuma forma de vencer a desigualdade sem uma escola que permita essa escalada social. Sem aulas (ou aulas por computador), os mais frágeis ficam ainda mais para trás. Mas essa motivação não resolve as questões intrínsecas da saúde de cada um e a capacidade para lecionar. Um ano excecional é um ano excecional. O Governo teve isso em conta?
Voltamos à questão central dos custos covid: se não contratou professores suficientes para duplicar muitas turmas, o Governo prepara-se para pagar uma conta infinitamente maior no apoio aos pais. Se estes vão ter de ficar em casa a tomar conta dos filhos, com vencimentos a 100%, (pais esses essenciais nas empresas onde trabalham), há um duplo prejuízo nacional. E assim se multiplica o maior problema português: produtividade.
Os primeiros seis meses covid foram caóticos nas empresas. Se os próximos continuarem pelo mesmo caminho, gera-se um invisível atraso de competitividade da economia portuguesa que, daqui a uns meses ou curtos anos, será medido em perda de exportações, empregos e falências.
É difícil encontrar-se uma boa razão para que Tiago Brandão Rodrigues e a máquina do Ministério da Educação não tenham programado um regresso às aulas sem improvisações ou sonhos delirantes de suficientes telescolas.
Isto levanta um outro ponto decisivo que o Governo está a milhas de percecionar corretamente: as consequências do teletrabalho em muitos departamentos públicos. Não é apenas no Ministério da Educação. Nestes meses covid há questões desesperantes no funcionamento da Segurança Social, sempre saturada, bem como do eternamente caótico Instituto de Emprego e Formação Profissional. O IEFP teve a originalidade de encerrar os apoios às contratações de desempregados no final de junho. Aparentemente retomou-os na semana passada. Porquê a paragem? É como se o discurso político não batesse certo com a realidade. Haverá assunto mais premente do que "criação de postos de trabalho"? Mas, afinal, até o guichet (digital) está fechado.
Caro sr. primeiro-ministro, a questão é esta: não posso estar mais de acordo e solidário com o brutal esforço de gestão da covid feita por si. Creio que se pode dizer que Portugal tem sido notável a reagir, como se vê em todas as estatísticas comparativas face aos melhores países. O senhor tem dado o litro. Mas muitas das suas equipas estão em casa, há meses. Em muitos ministérios parece tudo demasiado tranquilo, como se os problemas do país não passassem por ali. Só que na economia real a situação é cada vez mais difícil. E, se desta vez, as escolas falham por falta de planeamento, não se admire do abrandamento da economia e da conta a pagar pelo Estado. Sem pessoas nas empresas, não há como produzir. A eficácia do Ministério da Saúde, Segurança Social e Ministério da Educação são cruciais para cumprirem a sua afirmação-chave de ontem: "o país não pode parar". Precisamos mesmo que a cumpra.