Covid: Governo iô-iô dá cabo de tudo ao mesmo tempo

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A frase de António Costa "não estamos no ponto que desejávamos estar" diz tudo. O Governo continua a ter intenções num processo que só compreende leis naturais. Como se não tivéssemos capacidade para agir com eficácia. O coronavírus é matemático, ultra-previsível. Se pode circular, circula. Não tem estados de alma. Portanto, uma vez mais, o Governo sabia antecipadamente que ia ter com grande probabilidade um resultado frouxo nesta altura... e conformou-se. Não quis atuar com mais força no início de dezembro. Resultado: destruiu o Ano Novo. É a enésima situação neste processo. É um método. Um método que já provou diversas vezes ser errado para uma pandemia.

1. Ou seja, o Governo podia ter feito um confinamento com paragem da economia - incluindo fábricas, construção e escolas - durante as ""pontes" de 1 e 8 de dezembro. Eram 11 dias (incluindo fins de semana) dos quais apenas 5 dias úteis. Estávamos com 7 mil casos/dia, valor recorde. Para aliviar agora e ajudar o comércio e a economia. Mas optou pelo registo brando. Como se viu, a estratégia dos meios fins de semana nesse período, reduziu os casos de 7 mil para 4 mil casos/dia. Imagine-se o que teria sido uma paragem total de todos os setores não-essenciais num bloco estanque de 11 dias, nas regiões com números agudos - acompanhada da limitação de circulação entre concelhos. A redução seria exponencial, como poderiam demonstrar epidemiologistas e matemáticos.

A metáfora da maratona está a condicionar o primeiro-ministro. Os atletas da maratona correm 42 km em cada prova, não correm 400 ou 800 km em provas sem fim. Tem de haver sprints. Alívios. Vida normal. A economia tem de funcionar durante períodos previsíveis. Para depois se voltar a ser fulminante em confinamentos curtos, caso necessário. Pela via atual está a destruir-se a vida a toda a gente ao mesmo tempo, mas sobretudo aos que estão sempre parados - turismo, restaurantes, boa parte do comércio, cultura e espetáculos, TAP e outras companhias aéreas, empresas de transportes, empresas em teletrabalho com produtividades baixíssimas... O Governo está a minimizar as perdas devastadoras destes setores, atribuindo subsídios simbólicos, mas deixando outras atividades sem terem parado um dia sequer, até hoje. A razão deste método é não prejudicar a economia? Qual economia?

2. Os idosos estão presos aos lares, eternamente, porque não há alívio covid cá fora. Pior: a probabilidade do vírus entrar lá dentro não diminui. Temos de baixar os números, também por eles. Mas por este caminho ambíguo só lá chegaremos em junho.

3. Olhe-se para a Alemanha: confinamento até 10 de janeiro. Porquê? Porque esta é a altura em que a paragem prejudica menos a economia. Além disso, a seguir, entra em força a vacina. E assim a economia alemã provavelmente já não volta a parar. Enquanto nós, por cá, vamos andar nisto até ao verão, ora por isto, ora por aquilo... A certa altura vamos querer turismo na Páscoa, etc... mas afinal temos X casos e seremos o patinho feio da Europa - tal como aconteceu em agosto. A estratégia ioiô, como lhe chamou e bem o matemático Henrique Oliveira, não funciona. Não funciona. Ou, dito de outra forma: não funciona.

4. O que é o Natal? É uma época de afeto pelos outros. Este ano, não há dúvida, o afeto é fazer "zoom" ou "facetime", é proteger os que amamos. Ao não ter tornado mais rigoroso este Natal, e ao não limitar as deslocações regionais, criaram-se as condições ideais para um desastre pandémico.

O Governo deu a ilusão de que respeitava a vontade das pessoas. Só que estamos perante um problema de saúde pública transcendente que necessita de orientações científicas claras. Ora, quem desempata, dentro das famílias, aqueles que querem contenção versus os que são contra as medidas de proteção? As famílias não são espaços democráticos lineares e os mais velhos são, muitas vezes, os menos escutados. Juntar faixas etárias e pessoas de diferentes regiões, num espaço fechado em refeições, é a mistura perfeita para criar o pior momento da pandemia.

5. Ao acabar ontem com o Ano Novo, o Governo corrige mais uma expectativa desnecessária, frustrando de novo restaurantes e alojamentos. É exatamente isto que deixa as pessoas desesperadas. Duas semanas antes abriu-se essa possibilidade. Quando finalmente se faziam contas a algum rendimento... zero. Se soubessem, muitos donos de estabelecimentos podiam ter feito o lay-off logo no início de dezembro. Sabiam com que contar. O ministro da Economia poderia explicar que um país mais contido nesta altura (em que a procura é, já de si, fraca) vai recuperar mais depressa e chegar a abril com vacina, muito menos casos e... turismo. Não foi o que aconteceu. Ao atuar desta forma em cima do prazo, o Governo volta a fazer aquela figura triste de quem ainda não aprendeu como evolui a pandemia e engana toda a gente.

6. António Costa devia adiar por uma semana a abertura das aulas porque pode levar a covid às famílias que fizeram tudo certo, mas acabam infetadas pelos mais novos via escola. Aliás, olhando para a Alemanha, fechar também a economia na primeira semana de janeiro nas regiões mais críticas seria mais do que sensato. Avisando já.

É prudência de saúde básica, mas o foco também é a economia: não podemos andar com meios confinamentos eternamente. É necessária uma estanquicidade altamente eficaz para se recomeçar, depois, a partir de um número mais baixo, sem terceira vaga. Todos sabemos que o vírus não vai desaparecer. Mas uma coisa é ter 500 casos diários, outra 5000. E, como já vimos, nada garante que não cheguemos aos 10 mil depois deste otimismo natalício perante um vírus implacável. Se voltarmos aos 7 mil, ou mais, o que fazemos a seguir? Mais três meses sem fins de semana?

7. São absurdas as medidas em vigor no comércio - seja no alimentar, seja no restante. Como as associações já assinalaram, é economicamente mais eficaz manter os sábados abertos e o fecho aos domingos, do que estes meios dias que impedem uma devida gestão das compras pelos consumidores. Já se sabe que a afluência atinge picos entre as 10 e as 12h30. A concentração gera ainda mais risco do que nos horários normais. Tem sido um erro clamoroso. Porquê continuar com isto?

8. O resultado da pandemia no Norte é demolidor. Talvez a presença de mais indústria e construção, alto nível de doenças respiratórias, elevada pobreza em algumas regiões (onde é preciso ir-se trabalhar, a todo o custo) expliquem o que se está a passar. Os números do Norte precisam de uma ajuda especial para não se acabar numa cerca sanitária virtual. Porque, a continuar-se assim, o confinamento mantém-se ad infinitum destruindo o que resta dos pequenos negócios, o turismo e restauração, além de perpetuar o teletrabalho (em muitos casos gerador de baixíssima produtividade, destruindo emprego e empresas). O Governo tem de chamar todos a esta luta. Não pode deixar de fora alguns setores económicos. A covid tem de deixar de circular nas regiões mais críticas.

9. É absolutamente notável o que tem sido feito nos hospitais de São João, Santo António e Pedro Hispano, entre outros. O São João, o maior do Norte, liderou a resistência à segunda vaga - chegou a haver sete mil casos/dia (dois terços dos casos eram a Norte). O Santo António, mais pequeno, é um hospital de excelência e foi reconhecido esta semana, de novo, como o melhor do país, prémio em que vai alternando com o São João e os Hospitais Universitários de Coimbra. O Pedro Hispano tornou-se num apoio altamente eficaz no caos covid a Norte. Se há unidades de referência no SNS, são estas. É a eficiência destes hospitais que tem permitido acudir a milhares de situações sem aberturas de telejornais como vimos pela Europa fora.

10. Por fim, uma perplexidade: como não vacinar o primeiro-ministro, caso ele esteja negativo depois do segundo teste? Estamos a falar do Presidente em exercício da União Europeia. Esta primazia não se justifica? Chegamos a um ponto tão escrutinador sobre o favorecimento dos políticos que há 9750 vacinas para administrar, a partir de dia 27, mas não se pode entregar uma delas ao chefe do Executivo de um país - simultaneamente presidente em exercício da UE? Se houve coisa que o dia de ontem mostrou foi o de que se abriria uma situação bem difícil se António Costa saísse do leme por uma infeção covid. Podemos ter imensas discordâncias sobre o rumo, mas o primeiro-ministro tem sido estoico nestes 10 meses e continua a merecer a confiança dos portugueses, como mostram as sondagens. Portanto, reserve-se uma vacina para o Palácio de São Bento, faz favor. O Presidente Marcelo deveria avançar com a proposta.

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