Camas e ventiladores x100, testes x1000. Vencer isto.

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Estamos juntos nesta guerra, apocalipse, pandemia - todas as palavras estão certas. A situação é extrema e precisamos de passos de gigante. O que torna a covid-19 num surto insuportável? O número de vítimas. Como evitar isto? Com mais hospitais, ventiladores e assistência médica, a par de maior deteção precoce dos casos. A China construiu hospitais em duas semanas, em Wuhan, e cercou as linhas de propagação. Na Coreia do Sul o elevado número e a facilidade de testes têm sido decisivos. E Portugal? Oito tópicos na agenda:

1. Não imaginamos quantas mais camas precisamos em hospitais públicos, privados e nas Misericórdias, mas serão milhares. Se temos 100 mil idosos em lares, bom, há uma bomba-relógio prestes a explodir. Preparem-se os hotéis que forem necessários, para já, ou para o regresso da pandemia no Outono de forma a serem usados como hospitais. (O turismo acabou por muitos meses.) Dói, só de olhar, para as camas dos hospitais de campanha instaladas no gimnodesportivo do Estádio Universitário de Lisboa - sobretudo quando se compara com o hospital de campanha que Espanha instalou na Feira de Madrid. Isto já para não falar de 500 infectados a usar casas de banho coletivas... Enfim, talvez no Outono haja melhores condições para os nossos doentes.

2. Numa guerra constroem-se armas. Nesta guerra produzem-se ventiladores. Quanto precisamos? A Seat, em Barcelona, começou a produzir ventiladores. Será que a Autoeuropa também consegue? Ou chamemos a indústria metalúrgica e de eletrónica presente em Portugal, peça-se o "know-how" da produção de quem já os fabrica e multipliquem-se os ventiladores por 100x se necessário. Temos em Portugal a Bosch, a Siemens e "N" empresas portuguesas de alta capacidade tecnológica. O DN estimava há dias existirem 1400 ventiladores em todo o país, o que é brutalmente insuficiente. 14 mil chegam? Mais? Produza-se e distribuam-se por todo o lado. "Esta doença tem uma regra aparentemente simples: 80-15-5. 80% [dos doentes] podem ficar no seu domicílio acompanhadas pelo seu médico de família, 15% estarão em enfermarias gerais e 5% poderão precisar de cuidados intensivos", explicou Graça Freitas, em conferência de imprensa, citada pelo DN. Então, garantam-se ventiladores sem limitações nem mais demoras.

3. Claro, para tudo isto, precisamos de médicos e enfermeiros, muitos mais. Comece-se de imediato a formação básica de todos os outros clínicos de diferentes especialidades e coloque-se quantos forem necessários ao serviço dos doentes com coronavírus. Chamem-se os alunos de enfermagem e coloquem-se sob a orientação de enfermeiros seniores. Dê-se formação rápida a pessoal hospitalar para fazer funções que hoje são desempenhadas por enfermeiros, os "fazem-tudo" do sistema. Acreditar que o estado de emergência chega é como acreditar que vamos vencer a guerra porque temos um ótimo bunker. Depois desta primeira vaga teremos de continuar a viver e enfrentar sem confinamento o vírus. Preparemo-nos de todas as maneiras possíveis.

4. Não há zaragatoas para as colheitas no nariz e garganta, faltam reagentes para as análises e, sobretudo, cada exame custa muito dinheiro ao Estado e não garante que haja uma infeção no minuto a seguir. Mas fazer depender os testes, mesmo dentro dos hospitais, da autorização das equipas covid-19, é um procedimento burocrático que deixa as restantes equipas de urgências de mão atadas. Aqui sim, é poupar no sítio errado.

5. Falta de máscaras e batas: o Jornal T diz que a Associação dos Têxteis de Portugal e o CITEVE (centro tecnológico) já estão a trabalhar em coordenação com a DGS para multiplicar rapidamente o material necessário, além das compras necessárias a países como a China. Portugal é capaz de se preparar com este material para as próximas vagas. Podemos ser um exemplo na Europa na capacidade de resposta em material de proteção hospitalar.

6. Tenho uma amiga médica com covid-19 em casa há semana e meia. Está perto dos 50 anos e resistiu bastante bem. Na primeira semana tinha mais dores de cabeça e até alguns enjoos. Uma das características especiais da covid-19 é a perda de sabor e olfato a certa altura do processo. O pico da crise foi ao sétimo dia, mas desde aí deixou de ter febre embora continue com dores musculares e dor no peito se respirar fundo. Nunca saiu do quarto, e ninguém sequer contactou com ela senão por telemóvel. A louça dela é lavada na máquina, sozinha. Tem casa de banho no quarto. Agora já está bem e farta de ali estar. Entretanto, a regra de isolamento passou de duas para três semanas sem que lhe tenham explicado a razão. Mas vai cumprir, claro.

7. Preocupa-me a saúde de duas amigas enfermeiras, em dois hospitais diferentes, na linha da frente à covid-19. Dizem não haver batas novas todos os dias nem equipamentos de proteção suficientes para todos. Que segurança têm elas? Como resistem hora após hora face à dúvida da contaminação? Ambas dormem todas as noites em hotéis para não contaminarem ninguém em casa. Não veem a família, não têm folgas, estão sempre no hospital em dedicação total. Obrigado a todos os que estão na mesma luta. Dependemos de todos eles.

8. Aconselho a ouvir Bill Gates num TED desta semana sobre quanto isto vai demorar e de como é necessário o confinamento. Talvez poucas pessoas tenham estudado tanto pandemias gripais como Gates e também ele diz que a vacina vai demorar um ano. Ele frisa que esta guerra só será perdida se facilitarmos a propagação agora e, simultaneamente, não prepararmos os meios para o regresso da pandemia mais à frente.

9. Mais do que o dinheiro para a economia (absolutamente essencial), quanto mais depressa resolvermos a crise nacional (e global), menos precisamos de gastar nas empresas ou no emprego. Ou seja, sairá muito mais barato. A estratégia de confinamento/achatamento da curva de casos é absolutamente correta, ganha tempo, e tem de ser gerida provavelmente até ao final de Maio/Junho, como diz António Costa. Mas ficarmos à espera da União Europeia ou da China para ter ventiladores não é uma "estratégia de guerra". Ventiladores "made in Portugal" de custo económico, precisam-se.

10. Mas sejamos lúcidos: pensar em erradicar o coronavírus por confinamento é essencial de imediato, mas inexequível para o futuro. Veja-se o extraordinário Neil deGrasse Tyson na nova série da National Geographic - Mundos Possíveis. "A vida espalha-se" desde o início do seu surgimento neste planeta. Não se consegue confinar nada, muito menos um vírus. Sem vacina, devemos prepararmo-nos para ele. Em conclusão: fazer regressar Portugal à vida, em Junho, seria vital para todos os portugueses - caso contrário serão cada vez mais os que também ficarão com menos saúde e emprego. Mas ninguém sabe se será possível. Tem, sim, de haver uma ação decidida para se preparar já o próximo embate do Outono. Na pandemia da gripe pneumónica de 1919, o Outono foi bem mais mortal que o primeiro surto da doença. Entretanto, lutemos no nosso confinamento para que Portugal seja o primeiro da Europa a sair da crise. Devíamos ter este objetivo na cabeça todos os dias.

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