Sobre o valor das propinas

A proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2019 inclui a redução do valor das propinas aplicadas pelas Instituições de Ensino Superior (IES), nomeadamente através da introdução de um limite ao valor máximo fixado anualmente para os cursos de 1.º ciclo, o que corresponde a uma redução de 212 euros face ao valor máximo aplicado atualmente.

Com fundamento no reforço do ingresso de jovens no ensino superior, a partir do ano letivo 2019/2020 o valor da propina das formações iniciais a fixar pelas instituições de ensino superior públicas não pode ser superior a 2 vezes o valor do indexante de apoios sociais fixado para o ano em que se inicia o ano letivo, ou seja, 856 euros.

Já nos anos letivos 2016/2017 e 2017/2018 se tinha verificado, em sede orçamental, a decisão de congelar o valor das propinas, tanto no limite máximo, como no mínimo, em 689 euros e 1068, respetivamente.

Contudo, estaremos perante a maior descida do valor das propinas da história?

Até ao início dos anos 90, o financiamento público das universidades e institutos politécnicos era feito com base num histórico orçamental de anos anteriores. Com o tempo, as IES foram incentivadas aumentar e diversificar as receitas oriundas de outras fontes, ou recorrer àquilo a que alguns autores denominam por "cost-sharing" (partilha de custos).

Neste contexto, e progressivamente, o peso da comparticipação dos estudantes foi aumentando, através do pagamento das propinas..

Logo, a propina é um tributo, enquadrado na subcategoria das taxas, que consiste numa prestação patrimonial, definitiva, estabelecida por lei, a favor de um ente público, como contraprestação de um serviço de ensino, e que não constitui sanção pela prática de atos ilícitos e nem depende de vínculos anteriores.

Desta forma, a propina pode definir-se como uma "taxa de frequência", em consonância com a lei de bases de financiamento do ensino superior, segundo o qual a comparticipação exigida aos estudantes pelos custos resultantes do ingresso no ensino superior consiste no pagamento de uma taxa de frequência, designada por propina.

Ao legislar sobre propinas, o legislador tem que observar vários princípios que estruturam a CRP, nomeadamente, o princípio da gratuitidade progressiva do ensino superior.

Ao longo do tempo, a temática das propinas sofreu vários tratamentos legislativos. No entanto, ainda hoje, o valor da propina é determinado pelo Decreto-Lei n.º 31658, de 21 de novembro de 1941, que instituiu uma propina anual para a frequência do ensino superior público português no valor de 1200$00 (hoje equivalente, em termos nominais, a 6€).

O valor desta propina anual manteve-se inalterado durante aproximadamente 50 anos. Contudo, com a aprovação da Lei n.º 20/92, de 14 de agosto, vulgarmente denominada por "Lei das Propinas", foi introduzido um sistema de propinas diferenciado por IES, sendo o valor fixado pelo órgão legal e estatutariamente competente.

Esta Lei previa a existência de um limite mínimo, correspondente a uma percentagem do resultado da divisão das despesas de funcionamento e de capital do ano imediatamente anterior pelo n.º total dos alunos inscritos nessa instituição nesse mesmo ano letivo, e de um limite máximo a fixar pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) ou pelo Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), cuja expressão percentual não poderia ser superior ao dobro do correspondente montante mínimo.

Posteriormente, com a aprovação da Lei n.º 5/94, de 14 de março, estabelece-se um regime de propina nacional, não diferenciado por IES. O valor das propinas situava-se entre um mínimo de 20% e um máximo de 25% do resultado da divisão das despesas de funcionamento do conjunto das IES, no ano imediatamente anterior, pelo número total dos alunos nelas inscritos.

Em 9 de janeiro de 1996, verificou-se uma nova alteração legislativa, com a aprovação da Lei n.º1/96, a qual determinou a suspensão da vigência das Leis nºs 20/92, de 14 de agosto, e 5/94, de 14 de março e a consequente reposição da propina anual, fixada no valor de 1.200 escudos, repristinando o espírito do Decreto-Lei de 1941.

No entanto, esta inversão durou um curto período de tempo. A Lei n.º 113/97, de 16 de setembro, estabeleceu as bases do financiamento do ensino superior e clarificou a existência de uma relação tripartida entre o Estado, as IES e o estudante no financiamento do setor. De acordo com este diploma, o valor da propina deveria ser igual ao valor mensal do salário mínimo nacional vigente no início do ano letivo, não podendo ser superior ao valor fixado pelo Decreto-Lei n.º 31 658, de 21 de novembro de 1941, atualizada através da aplicação do índice de preços no consumidor do Instituto Nacional de Estatística (INE).

Nos dias de hoje, a propina para os cursos de formação inicial é determinada de acordo com a Lei n.º37/2003, de 22 de agosto, sendo o seu valor fixado em função da natureza dos cursos e da sua qualidade, com um valor mínimo correspondente a 1,3 do salário mínimo nacional em vigor e um valor máximo que não poderá ser superior ao valor fixado pelo Decreto-Lei n.º 31 658, de 21 de novembro de 1941, atualizado através do índice de preços no consumidor.

Atualmente, são doze as IES que adotaram, no âmbito da sua autonomia, fixar para a propina máxima para as formações iniciais em 1063€, correspondendo a sete universidades, um instituto politécnico e quatro escolas não integradas.

Partindo deste enquadramento legal e considerando as variações que os diferentes diplomas legais introduziram na determinação do valor das propinas, podemos então observar, através do seguinte quadro, a evolução do valor praticado pelas IES nos últimos 30 anos:

Valor nominal máximo praticado pelas IES (em euros)

1988/89 5,99

1989/90 5,99

1990/91 5,99

1991/92 5,99

1992/93 5,99

1993/94 399,04

1994/95 418,99

1995/96 438,94

1996/97 5,99

1997/98 282,80

1998/99 293,80

1999/00 305,80

2000/01 318,20

2001/02 334,20

2002/03 348,00

2003/04 852,00

2004/05 880,12

2005/06 900,57

2006/07 920,17

2007/08 949,14

2008/09 972,14

2009/10 996,85

2010/11 986,88

2011/12 999,71

2012/13 1.037,20

2013/14 1.065,72

2014/15 1.067,85

2015/16 1.063,47

2016/17 1.063,47

2017/18 1.063,47

Nos dois últimos anos, o limite máximo foi congelado, através da suspensão da aplicação do regime de atualização das propinas, mantendo-se em vigor os valores mínimo e máximo da propina fixados para o ano letivo de 2016/2017.

Ao longo dos anos, as alterações mais significativas, registadas no valor das propinas, estão diretamente relacionadas com as alterações legislativas descritas anteriormente, e com as mudanças de modelo de cálculo do valor das propinas, coincidindo com os anos de 1993, 1996, 1997 e 2003.

A grande oscilação no valor da propina deu-se mesmo em 1996, com a Lei n.º1/96, de 9 de janeiro, que, tal como referido anteriormente, suspendeu a aplicação das Leis nºs 20/92, de 14 de agosto, e 5/94, de 14 de março, repondo os 1.200 escudos, o que se traduziu, em valores nominais, a uma redução de cerca de 433 euros.

Todavia, a proposta que agora se encontra sobre a mesa não consubstancia uma alteração ao modelo de cálculo das propinas ou uma alteração material da Lei do Financiamento do Ensino Superior. Trata-se, por conseguinte, de um travão colocado pela Lei do Orçamento do Estado para 2019 à propina máxima do ensino superior público, traduzindo-se na redução de 212 euros no valor desta.

Esta redução do valor da propina máxima implicará a redução das receitas próprias das IES, facto que será, supostamente, suportado "por receitas gerais a transferir para as instituições de ensino superior públicas, sendo o montante a transferir calculado com base no diferencial entre o valor de propinas fixado no ano letivo 2018/2019 e o valor fixado para o ano letivo 2019/2020."

Caso se confirme a alteração, não estamos perante a maior descida de sempre do valor das propinas, ao contrário do que já foi referido, ainda que seja uma redução bastante significativa e que relança a discussão do financiamento do ensino superior, adiada desde 2015.

E lança, sobretudo, uma pergunta: uma vez que a Constituição tem uma norma programática - a "progressiva gratuitidade do ensino superior" - que consiste num direito de realização gradual, não será a limitação da propina a dois IAS um novo teto máximo impeditivo de, no futuro, se "repristinar" a atualização dos 1.200 escudos como critério de determinação do valor das propinas?

Professor da Universidade Europeia e Legal Advisor do Grupo Laureate International Universities

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