So nicht, meine herren (assim não, meus senhores)

Das muitas críticas que se podem, e devem, fazer à troika, a primeira terá de ser sempre a sua chocante incapacidade relativamente à situação do sistema bancário português. Afinal, tão doutos especialistas que tanto tinham para nos ensinar, andaram preocupados com tanta e tão pequena coisa, e nem sequer repararam no elefante que ali estava sentado a seu lado.

Nessa altura, os portugueses já tinham vivido os dossiês BPN e BPP e sabiam que o BCP, o BPI, a CGD e o Banif estavam a precisar de uma "pequena" ajuda; mas estavam longe de imaginar o que estava calamitosamente escondido no nosso sistema bancário. Tudo, nesta triste história, é chocante, mas, para mim, o caso Banif tem particularidades próprias que não podem deixar de nos preocupar no que concerne ao funcionamento da União Europeia destes nossos dias.

Desde a falta de transparência ao seu desastroso resultado final, passando pela prepotência e contradições das instâncias europeias, pela incompetência das anteriores administrações do banco, pela irresponsabilidade política, pela leviandade de alguma comunicação "social", pelas falhas do Banco de Portugal, pela quebra de confiança no nosso sistema financeiro, pelos atropelos a regras e valores estruturantes da nossa sociedade e pela incapacidade da justiça, tudo isto não pode deixar de concorrer para um enorme sobressalto cívico.

A convicção generalizada é a de que - aproveitando uma prolongada inação política e a ausência de uma defesa firme do interesse nacional - a União Europeia impôs, de forma inaceitável, uma dispendiosa entrega do Banif a um interessado em concreto. Fê-lo com humilhante recurso à intervenção permanente de burocratas sem rosto público e condicionando qualquer escolha alternativa, ou seja, inviabilizando uma transparente consulta ao mercado. Fê-lo, ao que se sabe, com o argumento de que capitalizar com dinheiro público o pequeno Banif, ou integrá-lo na CGD, significava uma insustentável agressão à concorrência europeia no setor, mas que oferecê-lo a um dos gigantes do mercado europeu, embrulhado em avultadas verbas dos contribuintes portugueses, é coisa que para a Direção-Geral da Concorrência em nada fere as leis ... da concorrência.

Em Portugal, não falta quem tenha de responder perante a Justiça, porque não cumpriu todas as regras (e regrinhas) de um qualquer concurso público para a adjudicação de uma obra de cem mileuroeuro euros; mas, pelos vistos, noutras instâncias, pode entregar-se um banco a quem muito bem se entende.

A presente reconfiguração do nosso sistema bancário está a viver a sua reta final com a capitalização da CGD e a venda do Novo Banco, ficando, aparentemente, apenas a faltar a estabilização definitiva do Montepio. Não bastando o que sucedeu com o Banif, voltamos agora a sentir uma intervenção da burocracia europeia para lá do razoável e de muito difícil compreensão. Por que razão de interesse público tem a CGD de emitir títulos com características tais que a obrigam ao pagamento de taxas de juro (aos denominados investidores institucionais) altamente penalizadoras para a sua própria recuperação? E qual a vantagem de o Estado ter de ser um acionista menor do Novo Banco, ao não poder sequer utilizar a sua participação minoritária na justa proporção do dinheiro que lá tem?

Estas duas perguntas, em adição ao que se passou com o Banif, conduz-nos a outras duas de patamar e de gravidade bem superior.

A primeira, questionando o respeito que esta Europa burocratizada tem pelo povo português, uma vez que, no limite, são sempre os contribuintes nacionais que acabam a pagar a fatura das irrazoáveis exigências; até porque, lá no fundo, todos suspeitamos que, se de eine deutsche bank se tratasse, a atitude da burocracia comunitária não seria exatamente a mesma que tem para com eine portugiesische bank.

A segunda é ainda um pouco mais séria e consiste em - tanto quanto antes - questionar a consciência europeia, se é com este modelo de atuação que se pretende unir todos os Estados membros em nome de um futuro comum.

Humilhações dispensáveis, interferências abusadoras ou desigualdades de tratamento não me parece que aprofundem o projeto comum nem que combatam os extremismos nacionalistas.

Assegura-me a experiência da vida que é justamente o contrário.

Economista, partner da Boyden

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