Sejam coerentes e entendam-se

Não são as divergências ideológicas ou de opinião que travam o desenvolvimento de uma comunidade, de um país. As sociedades desenvolvidas conseguiram a sua evolução exatamente perante e através das diferenças. Foi assim que se concebeu e definiu o melhor de todos os sistemas, a democracia.

Mas não é apenas o pensamento igual ou o totalitarismo que trava o desenvolvimento. A falta de seriedade, a falta de vergonha ou a incoerência corroem os sistemas e impedem a sustentabilidade das sociedades. Estas características têm resultados negativos, nomeadamente o permitir que se extremem posições, não permitindo que nas diferenças se encontrem consensos ou convergências e assim construções conjuntas.

Portugal é felizmente uma democracia e estamos longe de o voto, a opinião, ser retirado às pessoas. Diria até que nem acredito que tal volte a acontecer no nosso país.

Mas a nossa sociedade tem feridas que não lhe permitem encontrar um rumo sustentável. A nossa democracia, o nosso sistema democrático, está doente. E a tendência é para o aumento da enfermidade. E tudo isto é sobretudo visível na Assembleia da República.

Não haveria qualquer mal, bem pelo contrário, se os partidos, nomeadamente os deputados, representantes eleitos pelos cidadãos, soubessem encontrar consensos ou pontos de convergência perante as suas diferenças. Mas o cenário é grave. Não só não o conseguem fazer como as suas opiniões e posições mudam consoante o "lado da bancada" onde estão. E isto acontece em todo e qualquer debate a que se assiste. É no Orçamento do Estado, como recentemente assistimos, é na educação, na saúde ou quando o tema é a banca.

Se estão no governo ou o apoiam acham que branco é bom e criticam quem defende preto, para a seguir, se estiverem na oposição, passarem a defender o preto e criticar o branco. E vice-versa. Quem defendia o preto na oposição rapidamente passa a defender o branco no governo. E não se cansam. Mas cansa-se o cidadão.

Impressionante a incoerência e a facilidade com que se muda de opinião, praticamente da noite para o dia, ou se simulam (só pode ser simulação) ataques de amnésia por mera tática momentânea.

E mesmo perante este cenário, ao invés de se focarem em debater os temas, apressam-se ao jogo do apontar o dedo. O "sei o que fizeste (ou disseste) no verão passado" passou a ser a regra no debate parlamentar e partidário em Portugal. O recente debate do Orçamento do Estado foi assustador. Foram mais os ataques aos outros do que a defesa das suas propostas. Também talvez porque nelas não acreditem.

E isto passa-se no Parlamento, mas também fora dele. Na imprensa e nas redes sociais, em que quer os deputados e dirigentes partidários, mas também muitos dos seus apoiantes, passam da discussão ao combate. E fica criada a tempestade perfeita para momentos trágicos para uma salutar democracia. Ele foi os corninhos de Manuel Pinho para a bancada do PCP, o "porte-se com juizinho" de Sócrates a Portas ou a altercação entre José Magalhães e Duarte Marques com um taxativo "vai chamar palhaço ao teu pai" do primeiro são alguns momentos caricatos que demonstram o ambiente nada salutar a que chegou a política partidária. Querem depois acreditar que seja possível encontrarem a serenidade que os permita alcançar convergências?

E assim lá vai a política em Portugal. Com demasiado ruído que impede encontrar convergência nas diferenças. Apetece pedir: sejam coerentes e entendam-se.

Fundador da Iniciativa Liberal

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