Quando querer (estudar em Lisboa) não é poder (viver em Lisboa)
Faz parte do senso comum dizer que o brasileiro que vem para o ensino superior português tem no imaginário estudar na Universidade de Coimbra. De facto, devido às razões históricas mais do que conhecidas (e que, portanto, não irei aqui abordar), a Universidade de Coimbra possui, até hoje, um grande peso no Brasil. No entanto, com o aumento desses estudantes em Portugal a partir de 2008/2009 (cujos motivos já expliquei em outro artigo, mas entre os quais destaco as políticas de fomento à mobilidade estudantil internacional adotadas pelo governo brasileiro da época, que incentivaram muitos estudantes a ir para o exterior, mas também a escolher Portugal por causa da língua), não só Coimbra mas muitas outras universidades portuguesas começaram a "povoar" o imaginário desses estudantes. As motivações para a escolha das mesmas passavam pelo prestígio, pela posição que estas ocupavam nos rankings universitários, mas também pelo local do país onde se encontravam.
Assim, em 2014/2015, quando entrevistei alguns desses estudantes no âmbito do meu doutoramento, conheci uns tantos que, apesar de estudarem em Coimbra, queriam (e podiam) viver em Lisboa. Ainda que nesta época já fosse mais caro viver em Lisboa, o facto de se tratar de uma cidade "mais cosmopolita", com mais possibilidades profissionais e uma oferta cultural maior, compensava o "investimento". Nessa altura, além de haver muitas casas para arrendar em Lisboa, todo o custo de vida (ainda que já fosse maior) era suportável.
Este ano, no entanto, chamou-me atenção uma estudante brasileira que teve de usar como "estratégia" para prosseguir com os seus estudos em Lisboa o percurso inverso, ou seja, não só devido aos gastos com a renda, mas também por causa do custo de vida que tinha em Lisboa, teve de optar por ir viver em... Coimbra! Mesmo tendo que pegar o comboio para vir às aulas, o facto de não haver aulas todos os dias passou a compensar morar fora de Lisboa, já que, segundo a mesma, hoje é muito mais barato viver em Coimbra do que em Lisboa. E é aí que eu acho que está a diferença: sempre foi mais barato viver em Coimbra, mas hoje é muito mais barato viver em Coimbra, quando comparado com Lisboa.
Quanto às rendas, há quem defenda que aqueles que não se importarem de viver na Grande Lisboa, e não na cidade de Lisboa, ainda conseguem bons preços. No entanto, a estudante que acabei de citar já vivia na Grande Lisboa (Amadora), e ainda assim considerava o preço que estava a pagar impeditivo de lá continuar. Também conheci outra estudante que está a viver na Margem Sul e paga um preço alto para lá viver (750 euros por um T1 mobilado), porque tem o barco à porta de casa. Ou seja, se antes era um "sacrifício" morar na Margem Sul e ter que pegar o barco para vir estudar em Lisboa, hoje é um "luxo" ter o barco à porta de casa para poder vir estudar em Lisboa! Portanto, já não é novidade que as rendas aumentaram não só em Lisboa, mas em toda a Grande Lisboa.
Contudo, este aumento não se tem ficado pelas rendas. Todo o custo de vida em Lisboa, que já era mais alto do que em cidades como Coimbra, hoje tornou-se "impagável" para muitos. Se até há pouco tempo era possível encontrar menus em muitos restaurantes em Lisboa por cinco euros, hoje estes não saem por menos de sete/oito euros - e isto quando se opta por fazer uma refeição ligeira, numa pastelaria, e não num restaurante. Logo, ainda que Lisboa continue a ter uma oferta cultural maior, se os estudantes que aqui estão não têm condições de aproveitar a gastronomia local, dificilmente conseguirão aproveitar essas ofertas culturais.
Tendo em conta que o poder aquisitivo do brasileiro também diminuiu (uma notícia publicada em maio deste ano referia que era preciso ter, no mínimo, 4,43 reais para comprar um euro, enquanto em maio de 2014 o valor necessário era pouco mais de três reais), é certo que estes tenderão a procurar os locais do país que lhes possibilitarem ter um poder de compra mais elevado. Logo, na ótica da atração e retenção dos estudantes internacionais, se os grandes centros urbanos de Portugal continuarem a virar a cara para as necessidades dos estudantes internacionais, correrão sérios riscos de os perderem para as cidades do interior do país.
Jornalista, Doutoranda IGOT-Universidade de Lisboa