Quando os estereótipos chegam à cozinha
Não, não há aqui nenhum tipo de trocadilho por trás do título deste artigo. Hoje quero falar, literalmente, sobre comida e os tipos de generalizações que se fazem acerca da gastronomia de um país, levando imigrantes e turistas a estereotiparem até mesmo o que irão comer neste país.
A ideia de escrever sobre isto surgiu, quando conversando com um estudante brasileiro em Portugal, no âmbito da pesquisa que estou a desenvolver no meu doutoramento, ele me disse: "Uma outra coisa que eu não esperava ter dificuldade, e tive, foi a comida! Eu esperava que fosse mais simples, mas quando eu cheguei aos restaurantes eu não conseguia pedir as coisas! Eu não entendia as coisas que estavam lá!" Isto fez-me pensar: O que esperamos encontrar quando vamos para um outro país? Ou seja, o que sabemos, e será que o que sabemos corresponde à realidade?
Para responder a estas questões eu poderia abordar diversos temas, mas decidi ficar-me pela comida. E nada melhor para começar do que a minha própria experiência. No entanto, enquanto brasileira proveniente de uma cidade do interior de São Paulo, mas que já vive em Portugal há muitos anos, penso não fazer muito sentido analisar as expectativas que tive quando cá cheguei, pois destas já nem me lembro. Acho que nesse momento faz-me mais sentido falar das "expectativas que tenho versus realidade encontrada" cada vez que vou conhecer um restaurante de "comida brasileira" em Lisboa.
De acordo com ideias preconcebidas, baseadas num conhecimento muito restrito do que se come no Brasil (ou seja, basicamente do que eu comia no interior de São Paulo e pouco mais), cada vez que descubro um restaurante que se autointitula de "comida brasileira" em Lisboa é uma deceção para mim! Tenho, no entanto, consciência de que a minha deceção prende-se com as minhas expectativas, e sei que as minhas expectativas são muito restritas, pois o Brasil que eu conheço é restrito. Por isso não culpo o restaurante. O facto de eu não reconhecer determinada comida como sendo "brasileira" não significa que ela não exista em alguma parte daquele imenso país. A minha deceção prende-se mais com o facto de este restaurante dizer que serve "comida brasileira" do que pela comida em si... Pensar que tal restaurante está a passar a ideia, para um português ou para um estrangeiro, de que no Brasil (ou seja, nos 8 515 767,049 km2 daquele país) se come assim me incomoda. Ora, se nem nos 92 256 km2 de Portugal podemos falar em "comida portuguesa", o que dirá no Brasil! Quanto muito poderíamos comparar "comida brasileira" com "comida europeia"... Mas é certo falar numa comida que represente todo o continente europeu?
Da mesma forma, acredito que um português que vá à um restaurante de "comida portuguesa" no Brasil sofra a mesma desilusão, pois assim como os restaurantes brasileiros em Lisboa "vendem" a ideia de que no Brasil só existe rodízio de carnes e feijoada (a brasileira); em algumas cidades do Brasil "vende-se" a ideia de que em Portugal só se come bacalhau, pastel de Belém e pastel de Santa Clara. Visto que pastel de Belém eu encontrei em um único lugar em Lisboa, e que tive que andar muito por Portugal para encontrar o "famoso" pastel de Santa Clara, estas "generalizações culinárias", em pleno século XXI, já não fazem o menor sentido.
Por isso, voltando a fala do estudante brasileiro no início deste artigo, fica fácil entender porque, para ele, foi difícil compreender o que estava escrito nos menus dos restaurantes, logo que chegou a Portugal. Se ele havia interiorizado que iria comer bacalhau, mas por acaso entrou num restaurante em que não havia, as dificuldades começaram pelo simples facto de ele não perceber os nomes das carnes e peixes no menu. Visto que em muitas cidades no Brasil "peixe é peixe", e é normal não saber-se identificar as diferentes espécies pelo nome, não é fácil reconhecer uma "cataplana de garoupa", da mesma forma que se reconhece uma "moqueca de peixe". Mas se ainda assim esse brasileiro conseguir chegar ao fim da refeição e resolver pedir um café, aí sim ele irá descobrir que a fama do café brasileiro não passa de mais um estereótipo gastronómico que lhe "venderam" naquele país... Mas isso, já é assunto para outro artigo!
Jornalista, Doutoranda em Migrações pelo IGOT - Univ. Lisboa