Planos de paz instáveis
A recente declaração do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, de que o problema dos refugiados do Médio Oriente seria resolvido dando apoio às forças turcas na Síria, é um exemplo muito bom de quais são as últimas tendências nesta parte do mundo. É mais uma tentativa para chegar a um acordo com alguém à custa de terceiros que não estão envolvidos nas negociações.
A Turquia é extremamente sensível ao que está a acontecer dentro da Síria, perto das suas fronteiras. Os turcos não querem ver ninguém que lhes seja hostil do outro lado da vedação. Assim, eles estão a enviar uma mensagem clara de que os refugiados serão usados como elemento de pressão para se livrarem das críticas da UE às suas ações do outro lado da fronteira. Isto significa que o presidente turco estaria pronto para chegar a um acordo com a UE que não será apenas financeiro, como era até agora, mas também político (apoio na Síria). Este acordo fictício daria mais liberdade às forças turcas para investirem contra o exército do presidente sírio Bashar al-Assad em Idlib e contra as forças curdas. Portanto, haveria um acordo entre a Turquia e a UE envolvendo um terceiro país que não faz parte do acordo.
Algo bastante semelhante está a acontecer agora no Afeganistão. Há um acordo entre os EUA e os talibãs, que está a criar uma obrigação para o governo de Cabul de libertar cerca de 5000 prisioneiros talibãs. O governo não fez parte da negociação do acordo. Para os EUA, o plano é crucial para a retirada gradual das suas tropas, o que tem muito apoio a nível interno.
O terceiro exemplo, provavelmente o mais forte, é o plano dos EUA para a paz entre israelitas e palestinos. As soluções que fazem parte desse plano foram negociadas entre Israel e os EUA, mas os palestinos não foram nunca consultados. É um plano entre um lado e o intermediário, ou facilitador, sem a segunda parte.
Independentemente de as soluções desses planos serem boas ou não, a questão é quais são as hipóteses de serem implementadas? Pode-se dizer que são muito pequenas, porque nos três exemplos não são necessários dois para dançar o tango, mas sim três.
No primeiro caso (Turquia e UE), é improvável que Bruxelas não esteja interessada em envolver-se na Síria de alguma maneira. As preocupações da Turquia não são um problema europeu e a UE continuará a oferecer dinheiro a Ancara para manter na Turquia mais de dois milhões de refugiados da Síria. Ao mesmo tempo, a UE continuará a fortalecer as suas fronteiras, resistindo à pressão da Turquia a qualquer custo.
No segundo caso (talibãs e EUA), o governo do Afeganistão não cumprirá as suas obrigações de um plano que não é discutido com ele. Os americanos terão sérias dificuldades para convencer Cabul a aceitar a libertação dos prisioneiros sem desarmar as forças talibãs, o que será muito difícil de alcançar. Além disso, os talibãs assumiram a obrigação de pacificar a Al-Qaeda no território que detêm atualmente, o que está, como tudo o resto já mencionado, sob um grande ponto de interrogação.
No terceiro caso (Israel e EUA), os palestinos já rejeitaram o plano, o qual, na opinião destes, não passa de uma lista de desejos que os israelitas desejam ver cumpridos.
A conclusão é que este tipo de situação não pode ser acidental, não pode ser entendido como um erro de alguém, mas sim como a maneira como tudo isso pode ser implementado por um dos lados, independentemente da rejeição da outra parte. E se isso acontecer, a instabilidade no Médio Oriente e no Afeganistão só poderá aumentar. A realidade no terreno é sempre mais forte do que qualquer coisa que tente ignorá-la. Especialmente ali.
Antigo embaixador da Sérvia em Portugal e investigador do ISCTE