Para que serve o título de patriarcado?
Importa, para alguma coisa, celebrar 300 anos de um título cujo fundamento pouco significará presentemente? Faz hoje 300 anos, o Papa Clemente XI atribuiu o título de "patriarcal" à Capela Real - em 1740, a designação seria alargada a toda a diocese de Lisboa, passando esta a ser um patriarcado.
No Ocidente, apenas Lisboa e Veneza têm este título, sendo os respetivos bispos designados como patriarca - à semelhança de dioceses "históricas" como Jerusalém, Constantinopla ou Antioquia. Mas que sentido pode ter hoje essa designação?
O título foi atribuído em reconhecimento do papel de Portugal na missionação - nomeadamente do Brasil e do Oriente. Por isso, um título como este só pode ter um sentido renovado na medida em que a evangelização for o horizonte dos católicos.
E não se deve supor que assim seja, já que é para isso que o cristianismo existe? Sim. Mas a pergunta deverá incidir sobre o modelo de evangelização a propor. Quis o patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, que a reflexão sobre a evangelização a fazer passasse por um sínodo diocesano, processo de debate e participação envolvendo o maior número possível de pessoas.
Essa dinâmica, que terá a sua assembleia final no início de dezembro, é ainda rara no catolicismo português (o último sínodo de Lisboa realizou-se há 376 anos, em 1640; em outras dioceses, também são raros os sínodos). Trata-se de envolver todos os crentes (pelo menos, os que queiram participar) na reflexão sobre a realidade que os envolve, sobre a missão da Igreja de que fazem parte e os modos de a concretizar. Como dizia o Papa no final do sínodo do ano passado, tal assembleia faz-se para evitar "cair na fácil repetição do que é indiscutível ou já se disse", ou seja, para procurar novas formas de fazer.
Ao tomar como ponto de partida a exortação Evangelii Gaudium, do Papa Francisco, e ao propor-se como lema "o sonho missionário de chegar a todos", o sínodo de Lisboa assume algumas atitudes essenciais, referidas naquele documento: são todos os crentes (e não apenas o clero) os sujeitos da evangelização; a Igreja deve assumir a "beleza do rosto pluriforme" da inserção dos seus membros na sociedade, ou seja, admitir a pluralidade de modos de relação com a realidade; a "conversão pastoral e missionária" dos crentes exige "não deixar as coisas como estão" e as estruturas eclesiais não podem condicionar o dinamismo evangelizador; e a possibilidade de chegar a todos implica conhecer a realidade (em linguagem evangélica: os "sinais dos tempos") e propor, numa linguagem nova, a experiência da fé para este tempo.
Estas atitudes implicam consequências. Desde logo, uma leitura da realidade que se coloque à escuta dos sinais da presença de Deus no mundo, tendo consciência de que o modelo de sociedade que a Igreja tantas vezes condena foi promovido por setores que querem a bênção da mesma Igreja para manter o que existe. Mas também exige, por exemplo, uma permanente dinâmica sinodal; o respeito pela diversidade de leituras da realidade - mesmo em relação a questões de moral familiar, como o Papa tem insistido; a atenção prioritária aos mais frágeis e vulneráveis da sociedade, contribuindo para erradicar a miséria e a injustiça social; e uma grande criatividade na evangelização, de modo a não repetir fórmulas estafadas.
Assim será possível o sínodo e o título que o provocou darem aos cristãos de Lisboa "o sentido missionário" de que o patriarca de Lisboa tem falado.
Jornalista do religionline.blogspot.pt