O problema iraniano
A incerteza no Médio Oriente está a tornar esta região muito perigosa, pois nunca foi possível prever realmente o comportamento de todos os intervenientes. Cada ação tinha de ter uma contra-ação, a fim de criar o equilíbrio artificial, usado para acalmar todos os inimigos localmente e às vezes deter ações mais hostis dos adversários. Mas a situação real sempre foi criada na escuridão, longe dos olhos do público, para servir propósitos muito diversos, que às vezes nada têm que ver com a região.
Hoje, após a morte do cientista nuclear iraniano, muitas perguntas não terão resposta, pelo menos por algum tempo. A situação é a seguinte: alguém matou o principal físico iraniano, acusado de ser o mentor do projeto nuclear naquele país. Ninguém assumiu a responsabilidade pela emboscada, mas sempre foi óbvio que Israel seria acusado. As pessoas no governo israelita sabiam disso desde o início e obviamente acreditam que podem gerir as consequências dessas acusações. Eles podem estar certos, mas também talvez não estejam. Quem sabe?
A avaliação é baseada em vários fatores, que parecem muito realistas vistos de fora. Em primeiro lugar, Israel esteve envolvido, segundo as acusações, na eliminação de cientistas ainda antes, durante os tempos de Saddam Hussein no Iraque e a sua grande arma inacabada, para o número de físicos iranianos, acusados de envolvimento na produção da arma nuclear ou balística de destruição em massa. Em segundo lugar, todas as respostas, especialmente do Irão, foram suportáveis para Israel, porque conseguiu controlar os danos. E o terceiro é a escolha do momento, que foi cuidadosamente escolhido. A administração de saída do presidente Trump, obviamente, está a procurar cimentar a sua política externa, tornando muito difícil para o presidente eleito Joe Biden mudá-la facilmente. O agravamento da situação de segurança no Médio Oriente complicaria o possível retorno dos EUA ao acordo nuclear com o Irão e (esperançosamente para eles) os iranianos poderiam responder atacando alvos israelitas ou americanos que prolongariam a crise atual.
Seja quem for que cometeu o assassínio perto de Teerão há algum tempo, teve de o coordenar com a grande potência, por causa do perigo que seria criado pelo mesmo assassinato.
Do lado iraniano, a mudança na administração de Washington é um ato de Deus, é uma mão amiga do céu e nada deve colocá-la em perigo. As sanções económicas impostas pelos EUA ao Irão estão a matar a sua economia e, a longo prazo, provocarão muita pobreza naquele país, o que só pode resultar num tumulto na frente local. Ninguém no governo de Teerão precisa disso. Então, eles têm de esperar pela transição em Washington em 20 de janeiro, esperando que as novas pessoas na Casa Branca comecem a falar com eles. Se eles atacassem qualquer coisa agora, diretamente ou com a ajuda dos seus aliados, só conseguiriam complicar as possibilidades do novo governo dos Estados Unidos e prolongar o potencial afrouxamento das sanções.
Nesta situação, os governantes de Teerão tiveram obviamente a ideia de ameaçar com o aprimorar dos seus esforços para construir armas nucleares, em consequência da morte do seu cientista. Se a resposta fosse apenas essa, Teerão possibilitaria ao novo presidente Biden redefinir a política americana em relação ao Irão. Se eles bombardearem alguma coisa, não funcionará bem para eles. Portanto, a ameaça pode ser suficiente por enquanto, mas não é uma certeza.
E se aqueles que decidiram eliminar o cientista não conseguissem o que queriam, com aquela resposta de Teerão? E se a escalada das hostilidades fosse planeada para culminar antes de 20 de janeiro? E se nessa situação o governo iraniano começasse a pensar que a resposta violenta é inevitável?
Nós não sabemos disso. Existe uma estratégia na cabeça daqueles que são os decisores na mais recente crise no Médio Oriente? É difícil prever, como sempre foi o caso naquela região. O único impedimento para a escalada potencial da violência está no facto de a instabilidade da segurança no Médio Oriente nem sempre poder ser controlada e poder assumir sozinha a tomada de decisões. E aí não haveria espaço para pactuar sobre a saída da crise para quem mora lá ou mesmo longe, mas tem ou quer ter um papel na região.
Antigo embaixador da Sérvia em Portugal e investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE.