O mais provável é em breve Portugal estar novamente no habitual poço de dúvidas e tristezas
A União Europeia dirigida por Berlim e apoiada, a contragosto, pela França é cada vez mais um veículo instável. Uma carripana com capot Porsche e habitáculo de autocarro da Carris, aileron da Fiat montado numa zona de carga de camiões TIR. Tudo apoiado no eixo Paris-Berlim. Por isso, a geringonça portuguesa, empurrada pela esquerda comunista clássica e a neoclássica, corre o risco agravado de colisão com a UE. E o acidente, iminente, não é por Portugal estar a andar com excesso de velocidade, a "convergir" com a Europa, como se dizia antes da crise. É por despiste.
A eleição de Macron evitou o abate imediato da moeda comum e da própria UE desejado por Le Pen ou Mélenchon. Mas só a curto prazo. Juntamente com os outros candidatos anticentro (Poutou, Arthaud e Dupont-Aignan) a posição contra a UE totalizou na primeira volta das presidenciais francesas 47% dos votos. Sem o centro a UE fica sem combustível.
Agora, Macron formou governo. Mas aparentemente tudo mudou para tudo ficar igual. Aritmeticamente são metade mulheres, metade homens, com representação da sociedade civil e uma espécie de banda larga partidária. Politicamente as pastas relevantes foram para homens, e as absolutamente decisivas, Finanças, Economia e Orçamento, foram para homens da direita conservadora. Macron tem medo do povo na rua. Mas tem ainda mais medo do ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble. Daí escolher ministros que não hostilizem a visão, já algo senil, do senhor que segura os cordões da bolsa. Sem o dinheiro alemão, os investimentos públicos, os incentivos ao consumo etc., a UE e sobretudo a zona euro continuarão pela estrada em direcção à falésia.
Macron devia reclamar uma UE que repartisse os proveitos que a Alemanha retira da moeda única. Mas depois da sua primeira visita a Berlim não parece ser isso que está a acontecer. Sem ninguém para fazer frente à política de Schäuble, continua a asfixia lenta da UE, o desgaste do euro. Por o outro lado, se Macron confrontasse seriamente a política de Berlim, havia o risco de a Alemanha rachar o euro em dois, um para os países do Norte rico, outro para os países do Sul pobre.
Na Alemanha, depois das eleições recentes em Nordrhein Westfalen, o estado mais populoso com 17 milhões de habitantes, tudo indica que Merkel está a reforçar a sua posição e que permanecerá como chanceler depois das eleições de setembro. O seu adversário do SPD, Martin Schulz, que veio da família socialista do Parlamento Europeu para conquistar o poder em Berlim, fracassou e perdeu o estado-âncora para a sua estratégia.
Depois das eleições francesas e a já previsível vitória de Merkel nas legislativas na Alemanha em setembro, a posição portuguesa torna-se ainda mais marginal e o espaço de manobra da geringonça ainda mais diminuto: a ameaça de Portugal e da Grécia ficarem com um euro de segunda categoria, se tentarem fazer finca-pé, torna-se muito mais provável. Além do mais, começa a falar-se do alemão Weidmann, que está perfeitamente alinhado com Schäuble, para suceder a Draghi no Banco Central Europeu.
A atual onda de euforia em Portugal não é razão para alarme e preocupações, o mais provável é em breve o país estar novamente no habitual poço de dúvidas e tristezas. O desespero do governo portugês, por detrás das permanentes mensagens de otimismo, vê-se nas medidas que estão atualmente em cima da mesa: descontos fiscais para a banca, numa tentativa de segurar os bancos, ou os saldos nos vistos gold, que baixam de 500 mil para 200 mil euros para quem investir em empresas portuguesas em recuperação. As privatizações recentes foram um desastre. Com a PT e a EDP, Portugal perdeu duas peças-chave e a banca continua fora de controlo. Sem uma mutualização ou sem um corte substancial da dívida, a velocidade que sentimos como balanço torna-se de facto uma descida descontrolada. A não ser que o turismo continue com o turbo ligado e com Madonna venham mais uns milhares de milionários gastar as suas fortunas em Portugal, a viagem de geringonça vai ser acidentada. Apertem bem os cintos.
Correspondente der Freitag e colunista Portugal Post