O atraso português

Se há tema que tem apaixonado os intelectuais portugueses nos últimos duzentos anos é o atraso português. Pelo menos desde o marquês de Pombal que o dito atraso é tema de reflexão nos círculos intelectuais do pensamento nacional e entre os mais variados responsáveis políticos. Cada novo regime, sempre fruto de uma revolta e consequente descontinuidade institucional com o regime anterior, legitima--se na promessa de uma nova era de prosperidade que supostamente poria fim ao atraso económico e social do país. Foi assim com a Monarquia Constitucional, a República, o Estado Novo e, claro, a Democracia. O cavaquismo prometeu que os fundos comunitários eram o meio pelo qual Portugal seria uma das economias mais avançadas da Europa (ultrapassaria o Reino Unido). De seguida, o guterrismo jurou que, entre o euro e a revolução tecnológica, Portugal estaria na vanguarda da globalização e finalmente recuperaria dos erros históricos da Revolução Industrial. Depois Portugal estagnou e lentamente entrou num processo de definhamento económico e social. Isso não impediu a loucura de José Sócrates de fabricar modernização à custa de endividamento. Seguiu-se Passos Coelho e a austeridade virtuosa, que curaria os "pecados" dos últimos trinta anos (viver acima das nossas possibilidades) ao ponto de Portugal ser uma das dez economias mais competitivas do mundo no final da década. Mas, ultrapassada a crise da dívida soberana na Europa, voltámos onde temos estado há dezassete anos - estagnados.

Países como a Argentina, os Estados do Báltico ou mesmo a República Checa e a Eslováquia estão hoje, económica e socialmente, numa posição relativa bastante inferior àquela que tiveram noutras décadas. Países como a Irlanda, Singapura ou a República da Coreia, outrora países ou sociedades pobres, estão hoje entre as economias mais avançadas do mundo. Mas Portugal está onde sempre esteve. Diz-se que, nos últimos quarenta anos, desde o 25 de Abril, avançámos muito em indicadores sociais, como educação e saúde, ou em metas macroeconómicas. Mas a verdade é que se trata de uma comparação bastante irrelevante. Porque o mundo não esteve parado durante quatro décadas. Sim, Portugal avançou, desenvolveu-se, mas não o suficiente para recuperar do seu atraso relativo.

Em duzentos anos já muitas justificações foram avançadas para explicar o atraso estrutural: a estrutura económica e social do país, a religião católica e a influência da Igreja, a periferia geográfica, a pobreza dos recursos naturais disponíveis, as lideranças políticas (evidentemente, cada regime político culpa o anterior pelo atraso), a cultura portuguesa ("os portugueses são preguiçosos"), etc. Todas estas explicações têm sempre algo de verdade, mas não apontam para aquilo que parece que ser a razão mais elementar: a nossa incapacidade histórica de organizar uma sociedade e uma economia avançadas. Por outras palavras, as nossas instituições são consistentemente inadequadas.

Após cada revolução, Portugal importa as instituições políticas e jurídicas dos países mais avançados do mundo. Trata-se, pois, por comparação e efeito transplante, das instituições adequadas (ou entendidas como adequadas em cada momento do tempo) para recuperar do atraso estrutural. E, no entanto, rapidamente, regime após regime, nos últimos duzentos anos, as instituições adaptam-se à realidade das nossas elites e transformam-se em instituições extrativas, isto é, instituições ao serviço de certos grupos (que apropriam privadamente os benefícios públicos) em detrimento de um projeto inclusivo. Evidentemente que há pesos e contrapesos na sociedade portuguesa que limitam o papel negativo das instituições extrativas. Por isso, Portugal não recupera, mas também não recua.

Um dos argumentos que se ouve, neste contexto, é a pequenez do país. Mas a pequenez não parece influenciar países ricos (Holanda, Bélgica, Suíça, Dinamarca, etc.), nem incapacitar novos casos de sucesso (Singapura, Coreia, Irlanda). A verdade é que todos estes países, de dimensão reduzida, têm elites mais globalizadas e mais abertas do que as nossas. Porque à pequenez juntamos a endogamia das nossas elites, onde prepondera um processo de co-optação consentido, uma centralização excessiva (o envolvimento de estrangeiros nas nossas instituições é sempre um processo complexo) e a obliteração de qualquer pensamento crítico (numa atitude sempre conservadora favorável ao statu quo). A própria renovação das elites democráticas tem sido dolorosa e feita à margem do capital humano disponível. Basta um exemplo gritante para percebermos isso - tal como a Irlanda ou a Holanda, temos hoje uma enorme comunidade científica e profissional na diáspora, mas, diferentemente da Irlanda ou da Holanda, essa comunidade tem um papel bastante irrelevante nas elites portuguesas.

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