Lanchas da GNR: objetivos distorcidos
Existe uma regra universal e básica para evitar erros em qualquer Estado-maior, ou órgão equivalente, e que deve ser aplicada por quem lidera ou decide. Perante uma proposta ou estudo que seja apresentado a pergunta fundamental a fazer é a seguinte: qual o problema ou lacuna que se pretende resolver com a ação preconizada? Garantidamente, aparecem casos em que a resposta não é satisfatória.
São muitas as razões para tal acontecer, mas, uma razão, em concreto, é a distorção dos objetivos.
Vem isto a propósito da aquisição pela GNR de um navio, tipo lancha de fiscalização grande com 34 metros, financiado a 75 % por fundos europeus e com custo total a rondar os 8,5 milhões de euros. A este valor haverá que acrescentar os custos de manutenção e de operação, e também os custos de formação (certificada) da respetiva guarnição e outros mais induzidos, de organização, material e pessoal. Esses custos, todavia, não são conhecidos. Sabemos, também, que o custo de aquisição de um navio, em regra, corresponde a cerca de 30% do custo de gestão do ciclo de vida do navio. E no fim da sua vida útil ainda acrescem os chamados custos de alienação.
As lanchas são alegadamente destinadas ao patrulhamento marítimo do Continente e, quando necessário, poderão navegar até às regiões autónomas.
Aparentemente, trata-se de um excelente negócio, bom para todas as partes envolvidas, até para o estaleiro holandês encarregado da construção.
O único problema está na tentativa de resposta à fatídica pergunta. Qual o problema ou lacuna que Portugal resolve com esta aquisição?
Efetuar a fiscalização e proteção de recursos no mar, combater a criminalidade marítima e controlar a imigração ilegal? Certamente que sim. Todavia, a Marinha tem aprovado um planeamento de forças exatamente para estas missões e outras de diferente natureza. E mais, quando esse planeamento foi concebido não se pensou que pudesse ser complementado com lanchas da GNR. Então onde está o problema ou a lacuna?
Poderão ainda alguns afirmar, e com razão, que quanto mais meios, melhor, para proteger Portugal das ameaças e riscos de cariz marítimo. Embora verdadeira, a premissa não faz sentido em termos de planeamento real, porque tenderia para infinito.
Há ainda que notar que o planeamento de forças da Marinha, passa, em última análise pelo Conselho Superior de Defesa Nacional, presidido pelo Presidente da República e pelo Parlamento, que aprova as Leis de Programação Militar.
O planeamento de forças da GNR passa exclusivamente por decisões ao nível do Governo. Como se efetua a coordenação dos meios do País com ação no mar? Como se prova que as novas lanchas da GNR são necessárias? Se não forem, por muito bom "negócio" que seja, torna-se um custo inútil e não tão pequeno assim, se forem contabilizadas todas as parcelas.
Por outro lado, o que se poupa com os gastos escusados serve para ajudar as áreas mais carenciadas do País e são bastantes.
Neste caso, para além de não haver uma resposta aceitável às razões que levam a equipar a GNR com lanchas de fiscalização ou patrulhas costeiros, existem questões de natureza política sobre a missão da Marinha que ainda não estão bem resolvidas, apesar de serem abordadas periodicamente, mas com pouca coragem.
O magno problema da alegada inconstitucionalidade de algumas tarefas da Marinha, por se confundirem com as funções das forças de segurança (vulgo polícias), apenas ocupa quem não conhece o assunto, na sua profundidade e não coloca o interesse do país acima das querelas jurídicas. Na verdade, há iminentes constitucionalistas, como o Professor Jorge Miranda, que não reconhecem essa limitação. Mas, mesmo que a hipótese contrária viesse a prevalecer, seria preferível fazer uma ligeiríssima emenda à Constituição, do que recorrer a este tipo de expediente e subterfúgio, obrigando os contribuintes a pagar uma fatura elevadíssima e a suportar um custo de longo prazo sem o adequado retorno, dissipando, de uma só pena, séculos de história sem proveito atual e/ou futuro.
Como nota final registe-se que a sugestão apresentada, de emenda constitucional, em nada beliscaria a qualidade da democracia num Estado de direito, nem proporcionaria capacidades à Marinha para quaisquer atropelos ao bem-estar coletivo, como certas franjas parecem recear.
Vice-almirante, REF, ex-vice-CEMA