Orçamento, execução da ciência

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Os dados da execução orçamental da Fundação de Ciência e Tecnologia são esclarecedores. Pelo terceiro ano consecutivo diminuíram a verbas executadas. Olhando os parciais podemos verificar opções, erros de gestão e prioridades. Os anúncios de orçamentos maiores nada significam. É preciso ver o executado para perceber o que se passa (e tem de mudar).

Comecemos pelas prioridades ascendentes. A verba das relações internacionais subiu. Há certamente uma correlação positiva entre este e o aumento de notícias de programas espaciais nos Açores. Entramos claramente no domínio das prioridades. Em sentido contrário, a verba com projetos de I&D mantêm a quebra acentuada: é metade do de há dois anos. Deste desinvestimento resulta o abandono da ciência, sobretudo a fundamental, e resultados a médio e longo prazo. Foi também cortada a verba com bolsas e emprego científico: está 28% abaixo do valor de 2010, entre atrasos e não abertura de concursos, perseguição a bolseiros e não implementação da Lei de Emprego Científico. Em 2016 ficaram por executar 76 milhões orçamentados, dos quais 48 em fundos europeus e 28 de financiamento da Administração Central.

Num momento de discussão do OE 2018, podemos também perceber melhor as medidas a tomar.

Comecemos pela conversão de bolsas em contratos. A proposta do SNESup de converter todas as bolsas de pós-doutoramento em contratos de carreira foi vista como heresia. Fizemos contas e revelámos números. Significa recuperar o investimento de há quatro anos (estamos pior do que nos anos da crise), com uma vantagem: quase metade é imediatamente recuperado pelo Estado em IRS e Segurança Social.

A proposta aprovada no Parlamento para converter bolsas em contratos traduz-se apenas num movimento de 20 milhões, recuperado imediatamente em contribuições e impostos e, por isso, sem impacto no défice. Não admira que tenha obtido consenso generalizado, negociado pelo SNESup com todos os partidos. Não é por falta de dinheiro que está parada.

Chegando aqui, é importante dizer: não só a Direção da FCT e o governo são culpados desta situação. Reitores e presidentes de politécnicos não saem isentos. Tudo têm feito para desvalorizar a qualificação e seguir a espiral negativa. O sistema aposta no sentido descendente. Os números não o desmentem. Não é eficácia, é execução por asfixia. Os desequilíbrios nas relações de poder resultantes do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior de 2007 são parte integrante do processo e contribuem para a fraca execução. Os excedentes orçamentais (incluindo colocação de dinheiro em produtos financeiros) mostram outra face do problema. Todos sinalizam a necessidade de reformas urgentes a implementar, para bem da ciência.

A ciência é mal gerida. O decréscimo global da execução financeira e as políticas centradas na desvalorização de emprego científico e projetos de investigação estão a estrangular o futuro. É hora de mudar de rumo. Para melhor, porque para pior já chega.

Presidente da Direção do SNESup

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