A "síndrome do contactado" nos videntes de Fátima
É longo o acervo histórico de experiências extáticas e místicas. A investigação contemporânea vem propondo a análise comparada dos sintomas da "síndrome do contactado" laico com idênticos quadros de natureza psicofísica alegados no decurso de "visões" e/ou experiências espirituais "subjetivas". Os videntes das "aparições" marianas da Cova da Iria parecem ter interpretado um conjunto de reações somáticas, resultado imediato das suas experiências-limite. Como hipótese podem aventar-se dois eventuais fatores dessa causalidade: uma fonte objetiva, externa aos pequenos videntes; uma fonte interna, subjetiva aos mesmos sujeitos dos fenómenos de 1917.
Investigadores de uma nova área experimental, genericamente designada por "neurobiologia da crença", vêm sustentando a hipótese de que "a mente humana pode ser exposta a informações induzidas e que podem ser inseridas na mente por algum mecanismo desconhecido".
O "contactado" (via "entidade" profana ou religiosa) não desenvolve, ao que se supõe, as suas aptidões no imediato, no momento da "revelação". Os sintomas do "contactado", de um modo geral, parecem insinuados na infância, mesmo que nenhum contacto seja estabelecido durante alguns anos. Na generalidade, resumimos os detalhes dominantes desse estado especial, aparente elo entre dois universos cognitivos que parecem ocupar níveis de realidade ontológica diversos:
- O transe, a amnésia, a imobilidade ou aquinesia;
- a fraqueza geral muscular após o primeiro "contacto";
- o processo de comunicação por "iluminação mística" (transformativa ou metanoia);
- a precocidade ou predisposição do seu estado de recetor ou "contactado" manifestada nas idades jovens, muitas vezes.
Consultando a documentação original de Fátima, diz-nos uma testemunha: "As pessoas que estavam mesmo junto das crianças relatavam o que lhes ouviram dizer, a transfiguração de Lúcia, enfim, trocavam-se perguntas e respostas." Outra acrescenta que, no momento em que falava com a "aparição", o rosto da menina "fez-se mais lindo do que era, tornando-se corada e adelgaçando-se os beiços".
No documento-chave do processo canónico de 1930 deduz-se que "Lúcia, algumas vezes, durante o tempo da aparição, parecia alheia a tudo quanto a rodeava, não tendo consciência do que se dizia e fazia ao pé dela e achando-se como que fora de si".
Face à "aparição", além da "surdez" e da "amnésia" da Lúcia, nem sequer falta a inevitável aceleração da irrigação sanguínea, no corar do rosto de Lúcia, decorrente da alteração do seu ritmo respiratório, com a consequente contractura dos músculos faciais quando do seu transe. A mãe de Jacinta testemunhou essa mutação funcional após ouvir dizer que a Senhora já tinha "chegado": então, a filha acotovelou a Lúcia e disse-lhe: "Fala-lhe, Lúcia, que Nossa Senhora já lá está." Lúcia tomou a respiração por duas vezes como pessoa a quem faltasse o ar. Em seguida disse: "Que é que me quereis hoje?"
É interessante notar que as três crianças não sofreram uniformemente os mesmos efeitos: outra coisa, aliás, não seria de esperar, pois isso seria a exceção à regra que vimos apontando. A investigação atual justifica perfeitamente o facto de, perante o mesmo fenómeno, diferentes testemunhas serem sujeitas a sugestões diversas. Uma verificação adicional tomada das experiências laicas extraordinárias e que coloca a fenomenologia de Fátima na rota futura das neurociências.
CTEC (Centro Transdisciplinar de Estudos da Consciência), Universidade Fernando Pessoa.