Fahrvergnügen nas autoestradas portuguesas
Frequentemente encontro pessoas em Portugal que, por uma questão de cumplicidade e cortesia, me dirigem algumas palavras em alemão, mesmo que estas não saibam falar a minha língua materna. Curiosamente são quase sempre palavras relacionadas com o mundo automóvel: Fahrvergnügen, Volkswagen, Autobahn. De um modo geral, esta associação até faz sentido, uma vez que a indústria automóvel é o setor mais importante da economia alemã com um volume de negócios de 400 mil milhões de euros anuais (duas vezes o PIB português) e que a autoestrada alemã tem a fama global de ser a via gratuita mais rápida do mundo.
Considere-se, porém, que ter um carro alemão potente e veloz não é uma condição de vida para todos os alemães. O único carro que os meus pais conduziram na minha infância era uma carrinha pão de forma que subia as colinas na Autobahn com uma velocidade máxima de 80 km/h e que nas descidas atingia apenas os 140 km/h porque o meu pai punha a mudança em ponto morto. Os meus pais faziam parte de um pequeno grupo de pessoas que, por questões ecológicas, exigiam um limite máximo de velocidade de 100 km/h na autoestrada, mas muitos alemães preferiam seguir um lema famoso dos anos setenta: Freie Fahrt für freie Bürger (estrada livre para cidadãos livres). Um político alemão uma vez disse que propor um limite de velocidade na Autobahn era como exigir a proibição de armas de fogo nos Estados Unidos da América, isto é, o equivalente a um suicídio político nas urnas.
Os tempos mudam e as pessoas também. Segundo uma sondagem em 2015, a maioria dos alemães já está a favor da introdução de um limite de velocidade de 150 km/h na Autobahn. É certo que essa mudança de mentalidade tem razões óbvias, tais como a perceção clara de que mais velocidade implica mais óbitos na estrada. Parece-me porém que a sondagem evidencia sobretudo uma maior consciência dos alemães, porque a Autobahn já há muito deixou de ser um sonho para os adeptos do automobilismo. Primeiro, um terço das autoestradas alemãs já têm um limite de velocidade por motivos de segurança ou de poluição sonora. Segundo, a Autobahn parece muitas vezes uma estrada com apenas uma faixa, porque a via do lado direito é um comboio infinito de camiões. Terceiro, depois de anos com o chefe da política de austeridade europeia no comando das finanças alemãs (Schäuble), o desinvestimento nas infraestruturas é notório especialmente na Alemanha Ocidental onde a Autobahn se assemelha a uma manta de retalhos. Felizmente, os adeptos de uma boa corrida nas autoestradas têm alternativas.
Pessoalmente, acredito que Portugal é um forte candidato a ser associado ao renascimento da Autobahn no seu sentido mais puro (freie Fahrt für freie Bürger). Depois dos milhares de milhões de euros investidos, a rede de autoestradas em Portugal é uma das melhores na Europa. Ao tornar-se a nova Meca para os fiéis crentes de um paraíso de velocidade máxima, as autoestradas do interior podem finalmente ganhar alguns utentes. Sei que é uma tese arriscada pois os críticos vão dizer: Não é possível por causa das portagens! Sim, é verdade, mas note-se que segundo os planos da Senhora Merkel em breve a Autobahn também terá portagens, estando apenas isentos os carros de matrícula alemã. Não é possível por causa do limite de velocidade, reiteram os céticos. Mas qual limite de velocidade? Basta uma vez na vida andar na A1, entre o Carregado e Torres Novas, para perceber que a velocidade mínima na autoestrada portuguesa parece ser 140 km/h, a velocidade média de 160 km/h e a velocidade máxima o que o carro permite. E as multas? Questionam os incrédulos. Claro que há o risco! Porém, o que não falta são placares de aviso da existência de controlo de velocidade e mesmo assim os condutores mais arriscados não os temem, sendo que quase nunca são apanhados. Esqueçam a Autobahn, o futuro pertence à alegria de conduzir nas autoestradas portuguesas - Fahrvergnügen!
jornalista alemão, a trabalhar em Portugal para a Deutschlandfunk