Estudantes estrangeiros em Portugal: atrair é preciso, reter não é possível
Há dias li um artigo de opinião que dizia estar em curso "uma forte competição a nível mundial pela atração e a retenção do conhecimento e do talento universitário" e que, nesse sentido, Portugal teria "condições para ficar relativamente bem posicionado nesta competição". Lamento ter de discordar, mas se Portugal tem conseguido algum sucesso na internacionalização do ensino superior - no que diz respeito a atração de estudantes e investigadores estrangeiros, o mesmo não tem acontecido com a retenção dos mesmos no país.
Para entender o que tem levado à internacionalização do ensino superior português devemos ter em atenção que, em primeiro lugar, como país membro da União Europeia (UE) e signatário do Processo de Bolonha, Portugal foi "obrigado" a abrir as suas portas, sobretudo para os alunos pertencentes aos países da UE. Neste caso, através de programas como o Erasmus, atraiu-se muitos estudantes para as chamadas "mobilidades de crédito" sabendo-se, à partida, que estes seriam "obrigados" a retornar para a casa para concluírem os estudos. Em segundo lugar, com a crise económica que se abateu sobre Portugal a partir de 2008, e que levou a que muitos jovens portugueses emigrassem ou não tivessem condições de continuar a custear os estudos, começaram a sobrar vagas nas instituições de ensino superior, e estas, para não perderem estudantes e investigadores, viram-se, uma vez mais, "obrigadas" a abrir as portas para os estudantes estrangeiros. Portanto, o que levou à internacionalização do ensino superior português relaciona-se mais com questões de ordem política e económica do que com a real intenção de "atrair os melhores alunos do mundo" ou de estas instituições se tornarem "um polo de conhecimento reconhecido mundialmente".
Com o início do ano letivo, muitas notícias voltaram a dar conta da crise que o setor da educação em Portugal vem atravessando nos últimos tempos: enquanto uma universidade pública explicitou a necessidade de se priorizar os gastos com a contratação de professores, e não de investigadores, um jornal português divulgou que, no ensino privado, o número de licenciados caiu 41% nos últimos dez anos. Isto, por um lado, veio reforçar a ideia de que Portugal precisa de estudantes de outros países para fortalecer economicamente as suas instituições; mas, por outro lado, de que neste momento os investigadores, nacionais ou estrangeiros, têm menos condições de aqui encontrarem uma colocação profissional.
Contudo, apesar de Portugal continuar a receber um contingente expressivo de estudantes estrangeiros oriundos da UE, é importante clarificar que a maioria não vem desses países, mas sim da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP), e em mobilidade de grau (curso completo), e não de crédito. Só o Brasil (caso que eu estudo) representa desde 2008 a maior comunidade de estudantes estrangeiros no ensino superior português. Obviamente a partilha do mesmo idioma tem sido o grande atrativo para estes estudantes que, na sua maioria, não dominam outra língua. Mas se, na época da recente pujança económica pela qual o Brasil passou, muitos destes estudantes vieram com recursos próprios ou financiados pelo governo brasileiro, e priorizaram o retorno, será que diante da atual crise política e económica que, uma vez mais se instalou naquele país, estes estudantes poderão continuar a ser percecionados como "moeda" em Portugal, e quererão regressar a casa após concluírem os estudos? E se quiserem permanecer, será que Portugal tem condições para reter o capital humano que aqui se formou? Infelizmente a realidade portuguesa, exemplificada acima com o caso dos investigadores, é a de que, se este país não tem conseguido colocação profissional para os seus, o que dirá para os estrangeiros.
Por isso, quando leio que Portugal "pode ficar bem posicionado numa competição, ao nível mundial, pela atração e a retenção do conhecimento e do talento universitário", tenho que contrapor, "pela atração de universitários, talvez, mas pela retenção dos mesmos ainda não".
Jornalista, doutoranda em migrações pelo IGOT, Universidade de Lisboa