Depois da geringonça, a bagunça
Encontram-se quatro ministros da Defesa num bar, um israelita, um alemão, um francês e um português. "Os meus soldados andavam insatisfeitos, demiti-me", diz Mosche Jaalon. "Eu demiti-me porque descobriram que copiei umas páginas da minha tese de doutoramento", diz Karl-Theodor Guttenberg. "E eu, porque o meu partido utilizou mal verbas europeias", acrescenta Sylvie Goulard. O ministro português desta anedota, a quem acabaram de roubar material de guerra que dá para mandar a Baixa de Lisboa pelos ares, olha à volta para os seus homólogos com um sorriso chico-esperto: "Pois eu disse que assumia a responsabilidade política mas não me demito."
As demissões de Guttenberg, Jaalon e Goulard aconteceram na realidade.
A primeira há seis anos, a segunda em maio do ano passado, a terceira agora em junho. E a do ministro português também ainda deverá ter lugar, caso contrário o próprio governo corre o risco de se tornar uma anedota, num registo humorístico entre o mórbido e o trágico.
"Demitir-me? Não percebo nada de incêndios e estava de fim de semana". "Sim, até estava no Banco de Portugal, mas estava a olhar para o lado quando esses bancos foram à falência". "Submarinos? Este dinheiro ganhei-o com o meu suor, todas as cinco malas mais as três contas nas ilhas Cayman". Enfim, seria entediante continuar com este tipo de piadas de mau gosto.
"Sacudir a água do capote", deixar os outros "pagar as favas" e a "culpa morrer solteira" enquanto nos convencemos de que não vale a pena porque "quem se lixa é sempre o mexilhão" são só quatro de uma extenuante lista de estratégias muito portuguesas que passam sobretudo por se ficar onde está e fazer pouco ou nada. No melhor dos casos, "mudam as moscas". É o sistema vigente na chocante falta de ordenamento do território, no incompreensível desmazelo das Forças Armadas ou no obsoleto aparelho judicial, para ficar pela rama.
Vistos de fora, os portugueses tendem a sair melhor na fotografia - são considerados fatalistas. Entregues ao seu destino. Pouco reativos. Isso, como português que sou, do lado da minha mãe, ofende-me bastante. Mas aceito. É mesmo assim. Não vale a pena fazer nada. Já gastámos as nossas energias a navegar os mares, a repelir as invasões espanholas e francesas e a reembolsar créditos à banca alemã. A genica não dá para tudo. "Eles" que resolvam o assunto e "eles", já se sabe, são todos iguais, porque "eles" vão todos ao mesmo.
E quem tem a culpa? São "eles", lá em cima. E "eles" têm de facto a culpa. Porque deviam dar o exemplo e não dão. Se o poder fosse um barco a afundar-se e os ministros fossem ratos, agarravam-se com garras e dentes aos mastros, às velas, aos cabos e às argolas no convés para ficarem até ao fim. E a meio caminho do fundo já tinham guelras. Vale tudo menos abandonar o poder.
Num país democrático razoavelmente civilizado, a responsabilidade política é de quem segura "a pasta", ou seja, do respetivo ministro.
E é ele, ou ela, que se tem de demitir se algo corre muito mal. Isso não se aplica só quando os governos são da cor política de que não gostamos. Agora, há muita gente que aparentemente só é de esquerda por hábito ou preguiça e, no momento da verdade, só vê a cor da própria camisola e esquece os princípios apregoados.
"Tenho a certeza de que se o ministro não se demite é por estar convicto de que é o melhor para o país", ou "quem se devia demitir é o Presidente da República, afinal, é o chefe supremo das Forças Armadas", são alguns dos argumentos anedóticos que circulam nas redes sociais.
A solução de governo de António Costa, a geringonça, foi uma jogada política brilhante admirada em toda a Europa. Entre outras coisas, prometeu moralizar a vida pública em Portugal. É pena não o estar a conseguir. Falta ser consequente e exigir as demissões da ministra e do ministro: pelas vítimas do incêndio e pelas vítimas do roubo de armas. Se isso não acontecer, as pessoas vão acabar por perceber que tudo foi, afinal, só uma encenação do velho PS, agarrado ao poder contra a mais elementar noção de responsabilidade política e decência.
Mais patético e triste do que isto só mesmo um líder da oposição que julga que ainda é primeiro-ministro. Viver neste país é cada vez mais viver numa república das bananas, o que é justo. Foram os portugueses que começaram a plantar bananas nas Américas e as popularizaram na Europa.