Bazuca europeia: a hora da verdade

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A pandemia provocada pela Covid-19 é a maior crise a seguir à segunda Guerra Mundial. Uma crise de saúde pública, cujo impacto económico e social das medidas tomadas pelos governos para combater o contágio vai demorar a ultrapassar.

Para podermos sobreviver como países temos de nos unir, tendo em vista três realidades: reparar os danos colaterais da Covid-19; reformar as economias; e reflectir como vamos sobreviver em sociedade, que tem de ser remodelada com base do papel mais activo dos recursos humanos na inovação.

Neste âmbito, é urgente a resposta dada pela Europa (UE) à gravíssima crise gerada pela pandemia para a recuperação económica e evitar o colapso social. Se é um momento histórico ou não, só a história dirá, nomeadamente pela dimensão dos recursos financeiros.

Mas é um momento de excepção e irrepetível em que a transparência é mais do que uma condição para os fundos serem bem utilizados na resposta robusta e efectiva à crise económica e social. Isto vai exigir um enorme esforço por parte da Administração Pública, por parte dos agentes económicos e uma enorme responsabilidade ao nível político.

A chamada "bazuca europeia", ou seja o Mecanismo de Recuperação e Resiliência - disponível no âmbito do Next Generation EU-, ganhou força de lei. O Conselho da UE assinou o documento que vai agora ajudar a economia a recuperar da crise pandémica. A chegada do dinheiro do Fundo de Recuperação faz parte de um dos grandes objetivos da presidência portuguesa para a recuperação económica da Europa.

No entanto, o caminho para chegar àquele instrumento - que antes da pandemia era impensável dada a forte resistência de Estados-membros à emissão de dívida conjunta e a subvenções -, foi sinuoso deixando, mais uma vez, evidente uma crise institucional na UE que ninguém quer assumir.

Para fazer face à crise sanitária, a UE dotou-se de um pacote de 1,8 biliões de euros (2021 a 2027). Inicialmente Portugal poderia aceder a um envelope financeiro de 50 mil milhões de euros (M€) em subvenções, a que poderia somar-se cerca de 14,2 mil M€ em empréstimos, de acordo com o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Entretanto, condicionado pelo nível de endividamento, o país irá receber um total de 16,6 mil M€, composto por 13,9 mil M€ em subvenções e por 2,7mil M€ em empréstimos.

Compreende-se que, perante a pandemia e a aflição da crise económica, o Governo recorra ao PRR como aquilo que é essencial para resgatar o país dos problemas económicos e sociais. Portugal não pode estar no terceiro pior lugar europeu nas despesas com a pandemia. É tempo de agir.

Contudo, a recuperação, não se pode limitar a responder a um choque conjuntural brutal, mas tem de se ancorar numa ambição de transformação estrutural- sem sofismas -, que reforce a nossa autonomia e nos reposicione nas cadeias de valor globais. E responda à dinâmica demográfica reduzindo as desigualdades.

O Serviço Nacional de Saúde, a habitação, a administração pública, a modernização da indústria, a recapitalização das empresas e a digitalização são as áreas prioritárias sobre as quais deverão incidir as reformas estruturais alinhadas com as prioridades da UE.

Nesse sentido, temos que encontrar novo modelo económico e não podemos desperdiçar os enormes recursos disponibilizados. Ou seja, apostar numa transição para uma economia mais verde, mais digital, mais inclusiva e mais competitiva.

Precisamos de algo que nos dê confiança. É, pois, imperioso conseguir-se um compromisso de legislatura, um acordo que gere estabilidade governativa e permita projetar o futuro do nosso país.

A oportunidade que surge agora não pode ser desperdiçada e o volume deste auxílio europeu, não é compatível com governos de gestão. É exigido às forças partidárias que se ponham de acordo sobre o que é verdadeiramente essencial: o reforço da rede de infraestruturas indispensáveis; a qualificação da população; o reforço do sector da saúde e do Estado Social; a promoção da coesão territorial e social, bem como a transição digital e energética com uma estratégia abrangente para uma economia descarbonizada.

O PRR será uma ajuda preciosa, mas o essencial, hoje como sempre, depende do que os governos, o Estado e a sociedade portuguesa forem capazes de fazer.

Importa não cometer os erros do passado e aplicar os fundos de forma criteriosa e transparente. Sem esquecer que uma componente essencial da tutela dos direitos dos cidadãos e das empresas é a eficácia e a eficiência do sistema judicial, o qual influencia decisivamente o ambiente de negócios.

Há muito que os problemas estruturais em Portugal estão identificados e são apontados como impedimentos a uma progressão económica sustentada e à verdadeira criação de riqueza no país.

O maior risco do PRR é, por isso, o de se acomodar na realidade que existe, em vez de abrir novos desafios e criar novas oportunidades.

Arriscamo-nos a perder mais uma oportunidade única se não tivermos em conta os seguintes factores: uma escolha criteriosa de projetos para aplicar os fundos europeus; garantias urgentes de que esse dinheiro chegue efetiva e rapidamente à economia real; acordos alargados no espetro e no tempo que o tornem atrativo a investidores.

A gestão nacional do PRR deverá ser centralizada numa estrutura que garanta a sua integral execução, quer do ponto de vista financeiro, quer sobretudo no cumprimento das metas de realização e resultado, tendo vista a monitorização do cumprimento dos objetivos das reformas e investimentos.

Chegou a hora da verdade para criar um país verdadeiramente sólido e de futuro. É o futuro que está em causa, o nosso futuro, o futuro do país que vamos deixar às próximas gerações. É por isso que precisamos de atuar de forma urgente, decisiva e coletiva.

Capitão-de-Fragata (R)

O autor não segue o acordo ortográfico

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