Alemanha e as vacas gordas

De longe, até parecem boas as notícias vindas da Alemanha. O tratado de coligação entre os dois principais partidos alemães promete, logo no seu capítulo inicial, mais Europa e mais dinheiro para a Europa. E com uma reedição da grande coligação entre a CDU de Merkel, do centro-direita, e o SPD, do centro-esquerda, a pasta das Finanças no governo alemão sai, enfim, após sete anos, da sombra do famigerado ministro Wolfgang Schäuble. Este, com o aval da chanceler Merkel, colocou nos últimos anos de crise no Sul da Europa os interesses da banca e da indústria alemãs acima dos de qualquer outro país da União Europeia.

Para já, neste momento e até aos primeiros dias de março, os membros do partido SPD ainda estão a decidir se querem ou não uma nova grande coligação. Este processo de votação pelas bases do partido levanta dúvidas, a começar por saber se é tão democrático como aparenta. De facto, são menos de meio milhão de alemães (aproximadamente 0,5% da população alemã), sentados em casa, que, ao pôr a sua cruz no boletim de voto, decidem se toma ou não posse o governo no maior país da UE. Não são os deputados eleitos em setembro do ano passado que o fazem e isso é considerado por muitos eleitores como uma espécie de atentado à democracia parlamentar.

Na Alemanha, o SPD, outrora o partido mais forte na paisagem política, está com os seus avanços e recuos, com a caça ao tacho dos seus líderes Scholz, que substituiu Schulz, Gabriel e Nahles, a indignar muitos eleitores. Ao ponto preocupante de nas sondagens o partido da extrema-direita, AfD, fundado não chega há meia dúzia de anos, já ter ultrapassado o SPD, que concorre com esta sigla desde 1890. O preço de querer ficar no poder, no palco político, está a ser uma galopante perda de poder no país. Este é o SPD, liderado até há breves momentos por Martin Schulz, que era o Mr. Europa e a grande esperança para a UE. Neste momento restam do grande partido pouco mais do que cinzas e uns fogachos.

A meia distância, as notícias só parecem boas. Olhando para o terreno e não para o papel, a Alemanha não se manifesta interessada em partilhar as vacas gordas alimentadas nos últimos sete anos à custa das políticas austeritárias impostas aos países do Sul da Europa. O designado novo líder do SPD e ministro das Finanças, Olaf Scholz, uma figura controversa da ala mais à direita do SPD, já disse que não quer mudar nada no mantra do zero negro do seu antecessor Wolfgang Schäuble. O zero negro significa que a Alemanha não vai deixar as suas contas cair no vermelho. Ou seja, não vai aproveitar a sua conjuntura económica muito favorável para fazer investimentos que ultrapassem as suas receitas anuais. Isto soa muito sensato - para quem gere uma mercearia mês a mês. Mas não para quem quer avançar a longo prazo com o projeto de coesão para uma Europa politicamente ameaçada, economicamente vulnerável e socialmente fragmentada pela desigualdade, as tensões políticas da extrema-direita, os nacionalismos e populismos vários.

O que o designado ministro das Finanças alemão está já a dizer é que não é certo que vá fazer os investimentos necessários nem na Europa nem sequer nas infraestruturas na Alemanha. Mais grave: com a substituição de Vítor Constâncio pelo espanhol Luis de Guindos, fica aberto caminho para ser o alemão Jens Weidmann a suceder a Mario Draghi na liderança do Banco Central Europeu. E Weidmann nunca deixou dúvidas de que para ele a salvaguarda dos interesses dos aforristas alemães está acima de tudo. Portugal poderia estar tranquilo. Se a economia nacional fosse pujante, produtiva e o país próspero e com uma dívida controlada. Infelizmente para os portugueses, não é o caso.

Olhando de perto, as boas notícias resumem-se agora a isto: não é ainda certo que a Alemanha mantenha os cordões da bolsa fechados, que esteja indisposta a investir na UE, que o tratado de coligação já tenha passado a letra-morta antes ainda de ter sido aprovado, e que o novo líder e ministro das Finanças do SPD não passe de uma espécie de Schäuble com uma bandeirinha vermelha.

A má notícia é que, num caso ou noutro, a Alemanha vai continuar a ditar as regras.

Correspondente do der Freitag

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