A tragédia libanesa
A cratera de 43 metros de profundidade no porto de Beirute é um símbolo da situação em que o Líbano se encontrava após a explosão mortal do nitrato de amónio guardado num armazém. Parece que todo o país está dentro daquela cratera, a tentar sair, à procura do caminho para chegar à superfície. Se não conseguir, todas as vítimas da tragédia limitar-se-ão a ser adicionadas ao número daqueles que sofreram nas explosões, guerras e ataques anteriores. E nada mudará.
O Líbano vive num estado de permanente divisão desde o momento em que alcançou a independência em 1943. O país fazia parte do mandato francês, que lhe foi conferido pela Liga das Nações após a Primeira Guerra Mundial, juntamente com a Síria. Ao mesmo tempo, o Reino Unido ficou com uma porção muito maior do Médio Oriente. Mas o Líbano é único no número de diferentes grupos religiosos e nacionais, que deveriam viver juntos naquele que é provavelmente o país mais bonito da região. O Pacto Nacional foi alcançado para dividir o poder no país entre os grupos nacionais e religiosos mais fortes, que tinham os seus movimentos políticos, em vez de o ser pelos partidos políticos. A divisão foi criada com base no número de habitantes do censo de 1932. Funcionou, de alguma forma, até que ficou claro que o equilíbrio de poderes no país desde a criação do Pacto Nacional se tornou obsoleto. O número de membros dos diferentes grupos mudou ao longo do tempo, alguns deles conseguiram fortes aliados fora do país e tornaram-se atores importantes. Hoje há um partido político armado com foguetes e militarmente mais forte em algumas partes do Líbano do que o exército regular. É um facto do conhecimento geral e é verdadeiramente irrealista esperar estabilidade no país enquanto a situação permanecer como está. O problema é que não há ali nada que seja viável e que possa substituir esse equilíbrio e estabelecer relações de trabalho entre as diferentes fações, para governar o país em conjunto, em benefício dos seus cidadãos.
Normalmente, quando se está perante tais divisões, todos tentam estabelecer-se como governantes de determinado território, o que levaria à partição de jure ou de facto. Mas o Líbano nem sequer isso pode fazer, porque existem muitos grupos separados, que não seriam capazes de sobreviver por si próprios. Então, aparecem ocasionalmente movimentos de cidadãos, fartos do statu quo, que só serve para fortalecer a corrupção e acordos secretos à custa do povo.
As recentes manifestações e a demissão do governo deveriam despertar os líderes políticos e mostrar-lhes a saída. Infelizmente, não há muito otimismo, quando se vê que o Líbano terá de conseguir um novo governo baseado provavelmente nas mesmas velhas regras. Os grupos políticos terão novamente de dividir o poder e os interesses a ele ligados.
É um círculo vicioso que impede o povo do Líbano de sair e estabelecer um movimento político que possa mostrar o caminho. O poder já está dividido, está nas mãos dos velhos grupos políticos e nacional-religiosos que não vão deixá-lo fugir.
De acordo com sondagens recentes, cerca de 60 mil libaneses gostariam que o Líbano retornasse ao protetorado da França. Isso não vai acontecer, mas é um sinal significativo de quão desesperante é a situação naquele país. A recente explosão deu início a uma nova ronda de incertezas, não é a primeira e não será a última, obviamente. Pode-se reconhecê-la como mais um elemento da instabilidade constante que existe há anos no Médio Oriente.
A estabilidade do sistema político é o principal problema, sem a qual ninguém pode começar a construir qualquer tipo de sociedade democrática. No estado de instabilidade, como ocorre frequentemente no Médio Oriente, apenas grupos religiosos e nacionais estritamente separados podem sair beneficiados, mas a conta terá de ser paga por todos os cidadãos.
Antigo embaixador da Sérvia e investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE