A "luta" para arrendar um imóvel em Lisboa
Não, eu não vou falar da tarefa inglória que a Madonna está a ter para conseguir uma casa na Grande Lisboa. Eu vou falar da "missão quase impossível" sobretudo que os jovens (nacionais ou estrangeiros, estudantes e não só) estão a ter para encontrar um quarto para viver em Lisboa!
Eu sou do tempo em que arrendar um quarto em Lisboa significava pagar entre 180 e 250 euros por mês (dependendo das condições do quarto). Quartos sem janela sempre existiram, casas sem condições também. No entanto os preços eram, por assim dizer, "suportáveis".
Porém, nos últimos anos, alguns acontecimentos parecem ter feito que Portugal fosse "redescoberto" pelo resto do mundo: a "Primavera Árabe", que aconteceu no final de 2010 fez que muitas pessoas começassem a planear as suas férias longe de países como a Tunísia e o Egito, por exemplo. Neste sentido, Portugal que nesta época atravessava uma crise financeira, e conseguia oferecer preços mais atraentes, tornou-se uma boa opção. Ao mesmo tempo (como referi em outro artigo), este país vivenciava um aumento substancial no número de estudantes estrangeiros.
Para melhorar, uma série de outros eventos, como um acordo entre a esquerda do país em 2015 (que prometeu tirar Portugal da crise), o facto de ter vencido o Campeonato Europeu de Futebol em 2016 e o Festival Eurovisão da Canção em 13 de maio de 2017 (mesmo dia em que recebeu a visita do Papa Francisco) parece ter contribuído para a inclusão deste país na rota dos turistas de todo o mundo. É claro que não podemos esquecer que uma onda de ataques terroristas, provocada pelo Estado Islâmico (ainda herança da Primavera Árabe) em alguns dos países europeus que mais atraíam turistas (como o Reino Unido e a França), também ajudou a "empurrar" estes viajantes para Portugal.
Mas como a sorte de uns é a desgraça de outros, com tantos turistas e estudantes estrangeiros, o mercado imobiliário não ficou indiferente. Por um lado os vistos gold (em que Madonna deve enquadrar-se) trouxe para este mercado algum dinheiro num período em que a maioria dos nacionais não o tinha. No entanto, para esta maioria (que a meu ver é o que realmente interessa), o que ficou foi o legado de os preços para compra e arrendamento de imóveis, sobretudo em Lisboa, terem disparado.
No mercado do arrendamento os senhorios começaram a dar preferência para que casas e quartos fossem alugados (por valores muito mais altos) aos turistas em detrimento de outras pessoas (fossem estas nacionais, estrangeiras, estudantes ou não). Já quando falámos dos estudantes, até uma imobiliária especializada nesse "novo" nicho de mercado apareceu. Tudo isso veio inflacionar este comércio que, segundo notícias, hoje oferece em Lisboa quartos que podem chegar aos dois mil euros mensais. Mais uma vez a "lei da oferta e da procura" funcionou: "Pouca oferta, muita procura, e os preços aumentaram... para TODOS." No entanto, a meu ver, a questão que deve sobrepor-se a isto tudo é: mas se os senhorios, diante de tanta procura, podem, de certa forma, escolher a quem querem arrendar, como tem sido feita esta escolha? Será que Lisboa se tornará uma cidade dormitório ou uma cidade onde a segregação territorial ficará ainda mais evidente?
Considerando somente a realidade que mais conheço, que é a dos estudantes brasileiros que vivem em Lisboa, posso dizer que, se já era difícil para estes arrendarem um quarto na cidade (pois não podemos fechar os olhos para as questões do preconceito, que sempre existiram), agora esta tarefa promete ser ainda mais ingrata. Apesar de muitos considerarem ser mais barato estudar em Portugal do que no Brasil, e da vinda destes, e de brasileiros vistos gold, terem feito que esta nacionalidade passasse a ser mais "bem vista" pelos nacionais; qual será o preço que os brasileiros (e penso que esta pergunta pode ser extensível a todos imigrantes, estudantes ou não) terão de pagar para viver em Lisboa? Será que na "luta pelo arrendamento" os jovens imigrantes terão chance contra os jovens nacionais? E ainda, será que os jovens (nacionais ou imigrantes) terão alguma chance contra os turistas?
Jornalista, doutoranda em Migrações pelo IGOT - Universidade de Lisboa