A guerra de informação da Roma Antiga dá-nos uma lição sobre notícias falsas

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Há muito, muito tempo, numa república distante, rebentou uma guerra civil que originou uma crise de notícias falsas. Começou quando Júlio César se autonomeou ditador vitalício em 44 a.C., uma ação que irritou as fações republicanas tradicionalistas, que a consideraram um ataque à liberdade romana. Liderados por Brutus e autodenominando-se "os libertadores", os membros do grupo conspiraram para assassinar César nos Idos de março, esfaqueando-o 23 vezes até ele morrer no chão do Senado.

Mas, em vez de restabelecer o sistema republicano, isso apenas provocou uma brutal luta pelo poder entre dois dos mais proeminentes partidários de César: Marco António, seu fiel confidente e general, e Octávio, filho adotivo de César e seu autodenominado sucessor.

O que se seguiu foi uma guerra de desinformação sem precedentes na qual os combatentes usaram a poesia e a retórica para asseverar a justiça das respetivas campanhas. Desde o início que Octávio provou ser o propagandista mais hábil, usando frases curtas e incisivas escritas em moedas, um género de tweets arcaicos.

A sua tese era que Marco António era um soldado romano que tinha enveredado por maus caminhos: um mulherengo e um bêbado que não era feito para liderar e muito menos para dirigir a nação. Mais importante ainda, afirmou que Marco António havia sido corrompido pelo seu caso amoroso com Cleópatra, líder de um país estrangeiro.

Como fantoche de Cleópatra, ninguém podia ter a certeza se Marco António era verdadeiramente leal a Roma ou se a sua lealdade estava com o Egito, uma nação que há muito resistia à romanização. Marco António passara muito tempo no império oriental e tornara-se excessivamente apaixonado pela ideia da monarquia helenística, um anátema para a mente republicana romana, ou assim dizia a propaganda.

Embora as raízes plebeias e a natureza libidinosa de Marco António se agitassem com a imagem do virtuoso estadista romano, não havia como negar o seu carisma natural ou o talento para a liderança militar. Octávio sabia que as suas tropas o adoravam precisamente devido ao seu apetite pela luxúria, pela bebida e pelos excessos sexuais. E, nas províncias, essas características tinham mesmo contribuído para o classificar como nada menos do que um deus.

Para ganhar a guerra da informação, Octávio teria de transformar essas forças em fraquezas. O descontentamento interno sobre o desaparecimento dos valores romanos tradicionais face à contaminação cultural das colónias já estava a crescer. Octávio sabia que, se conseguisse convencer o povo de que representava tudo o que era romano, virtuoso e tradicional - e que Marco António representava tudo o que era estrangeiro, bárbaro e iliberal -, conseguiria aproveitar um clima político excecionalmente poderoso.

Os republicanos de Roma nunca caíram na retórica porque a viam como aquilo que era: notícias falsas. Por fim, uniram-se a Octávio, não porque confiassem mais nele do que em Marco António, mas porque o consideravam o menor de dois males.

A luta de poder entre os dois homens culminou na Batalha de Ácio em 31 a.C., que Octávio ganhou decisivamente. No entanto, da perspetiva da constituição romana, a batalha tinha sido travada inconstitucionalmente contra um concidadão. Octávio compreendeu que isso poderia ser usado contra ele um dia. Uma contranarrativa teria de ser construída.

Nos seus comentários sobre a guerra, o eminente historiador antigo Ronald Syme, autor do livro clássico de 1939 A Revolução Romana, observou que "dos factos não há e não houve registo autêntico". A versão oficial dos acontecimentos de Octávio decretou que "um romano degenerado estava a esforçar-se por subverter as liberdades do povo romano para subjugar a Itália e o Ocidente ao domínio de uma rainha oriental".

Todos sabiam que o relato era fraudulento mas, mesmo assim, foi o suficiente para consolidar o domínio de Octávio e abrir a porta para a sua reinvenção como Augusto, o primeiro imperador de Roma. As notícias falsas tinham permitido a Octávio subverter o sistema republicano de uma vez por todas.

Cronista no jornal Financial Times

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