A Defesa do Multilateralismo na Presidência Alemã do Conselho de Segurança da ONU

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Julho foi um mês de dupla presidência para a Alemanha. Assumiu a presidência do Conselho da União Europeia (UE), que durará até ao final do presente ano, ao mesmo tempo que assumiu a presidência do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), com a duração de apenas um mês. E isto traduziu-se, desde logo, numa maior responsabilidade da parte da Alemanha na defesa do multilateralismo e na influência (e mediação) da agenda internacional.

Saúde global, clima e segurança, direitos humanos e violência sexual nos conflitos e ajuda humanitária na Síria foram as prioridades desta última presidência alemã (neste mês de agosto, a presidência encontra-se a cargo da Indonésia) do Conselho de Segurança da ONU, tida como a instituição política global mais importante, segundo o Embaixador alemão na mesma e conselheiro de política externa e securitária de Merkel durante vários anos, Christoph Heusgen.

Desde janeiro de 2019 e até dezembro de 2020, a Alemanha ocupa um lugar de membro não permanente no Conselho de Segurança, sendo esta a segunda e última vez com Angela Merkel como chanceler. Após a reunificação esta é a quarta vez que a Alemanha tem lugar como membro não permanente no Conselho de Segurança, o que sucede a cada dez anos. A primeira vez foi nos anos de 1995/1996 durante o governo de Helmut Kohl, a segunda nos anos de 2003/2004 durante o governo de Gerhard Schröder (chanceler que, até ao momento, mais defendeu a necessidade da Alemanha dispor de um lugar de membro permanente neste órgão, assumindo uma responsabilidade proporcional à sua contribuição e posição de Estado "normal" com autoconfiança) e a terceira nos anos de 2011/2012 durante o governo de Merkel.

Efetivamente, "Together first" [Juntos primeiro] é o nome do programa que orienta a Alemanha no seu atual lugar de membro não permanente no Conselho de Segurança, sublinhando a importância da cooperação num mundo global. Até porque na atualidade, como lembrou o Ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Heiko Maas, no seu discurso de 2 de julho no Conselho de Segurança: "Um vírus pode ser mais mortal do que uma arma, um ataque cibernético pode causar mais danos do que um soldado e as mudanças climáticas ameaçam mais pessoas do que a maioria das armas convencionais".

A preferência por uma abordagem multilateral dos desafios, sem fronteiras, que as relações internacionais hoje experimentam, tornou-se uma característica da política externa alemã do pós Segunda Guerra Mundial, continuada e acentuada após a reunificação, base da sua segurança e prosperidade. Aliás, tal como o lema escolhido para

a presidência alemã do Conselho de Segurança, também o lema da vigente presidência alemã do Conselho da UE reflete, de igual modo, isso: ,,Gemeinsam. Europa wieder stark machen" [Em conjunto. Fazer/tornar a Europa novamente forte].

Quanto às prioridades neste mandato enquanto membro não permanente no Conselho de Segurança, a Alemanha tem os seguintes: a prevenção de crises, o desarmamento e o controlo de armas, os direitos humanos e a violência sexual contra as mulheres nos conflitos, e a proteção climática.

Com efeito, o Conselho de Segurança é o principal órgão responsável pela manutenção da paz e segurança internacionais, cabendo-lhe prevenir, conter e resolver conflitos que ameaçam a paz. É composto por quinze membros: cinco permanentes (China, EUA, França, Reino Unido e Rússia) e com poder de veto, e dez não permanentes eleitos por um mandato de dois anos, entre os quais a Alemanha se encontra desde 2019 (inclusive). A par do Brasil, da Índia e do Japão, a Alemanha deseja igualmente a reforma deste órgão da ONU, cuja composição não reflete mais a atual realidade internacional, e o alargamento do seu número de membros permanentes.

Note-se que a Alemanha é o quarto Estado que mais contribui financeiramente para esta organização e o segundo maior para a ajuda humanitária. Em 2019, a Alemanha contribuiu com cerca de 6% para o orçamento de peacekeeping da ONU, sendo ainda doadora de muitos outros programas e fundos desta organização relacionados com a sustentabilidade e o desenvolvimento.

Juntamente com a UE e a NATO, a ONU pertence ao sistema de referência da política externa e securitária alemã. "Nunca mais, nunca sozinha e a política antes da força" parece definir a política externa da Alemanha, seguidora de uma permanente "Kultur der Zurückhaltung" [cultura de contenção], anti-militarista e relutante no uso da força nas operações internacionais em que participa, preferindo, ao invés, seguir uma postura mais defensiva ao realizar atividades de apoio, orientação e formação. E, nesta linha, a Alemanha encontra um reflexo perfeito na ONU, assumindo-a como um fórum de negociação multilateral (o único global), fomentador da paz, da segurança e da cooperação no mundo.

Doutora em Estudos Estratégicos pela Universidade de Lisboa

Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa

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