A agenda alemã e as invasões bárbaras

E tudo fica igual em Portugal depois das eleições na Alemanha? Não. Tudo vai mudar para a União Europeia e, por tabela, para Portugal.

Para bem ou para mal: pela mão do novo governo alemão, a UE terá nos próximos quatro anos a sua maior transformação e aprofundamento. Só para mal: se não for um aprofundamento, será uma desintegração por efeito das forças centrífugas nos países do sul e na Europa central, como a Polónia ou a Eslováquia, e pelas políticas nacionalistas da Alemanha. Já há muito que o governo alemão se sente tentado a isolar o país na sua ilha de prosperidade e a aproximar-se do bloco euro-asiático, a começar pela Rússia, em detrimento do projeto europeu.

A coligação que irá agora governar na Alemanha tem de decidir se aposta numa União Europeia de instituições reforçadas a longo prazo, como a apregoa Macron, ou se continua a navegar à vista, o que levará ao colapso do Euro. Mas há mais mudanças a acelerar o processo de coesão ou fragmentação da UE: Draghi e Juncker entregarão, respetivamente, a em breve a presidência do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia aos seus sucessores. Se o futuro presidente do BCE for o candidato mais bem cotado, que atualmente é presidente do Bundesbank, o projeto duma Europa mais solidária (leia-se: mais cara para a Alemanha e por isso tema tabu para Berlim até ao dia de ontem) sofre logo à partida um golpe. Já com Juncker sai um europeu convicto, mas fraco e errático que seguiu sempre a voz de Merkel.

A UE, o tema de longe mais importante para a Alemanha, e para todos os restantes países da União Europeia, foi estrategicamente eclipsado durante a campanha eleitoral alemã. Nos 96 minutos do único debate televisivo da campanha eleitoral entre os dois líderes dos partidos da anterior coligação (Merkel pela CDU e Schulz pelo SPD) não se falou um só minuto sobre a UE. Não se falou, porque ambos os candidatos sabiam que qualquer debate sobre a Europa iria custar votos ao centro e fortalecer posições radicalmente antieuropeias, de "defesa das poupanças" e de saída da moeda única, defendidas pela AfD, a "Alternativa para a Alemanha", que colocou desde ontem as posições da extrema-direita no centro do debate político. Mas também os liberais do FDP são perigosos para os países do sul da Europa: advogam a expulsão da Grécia do Euro e defenderão o mesmo contra Portugal, quando os sinais de crise voltarem a fazer-se sentir (a dívida pública de Portugal, em percentagem do PIB, já é maior do que era a da Grécia no início da crise do euro). E dentro do SPD de Schulz há muitos antieuropeus, pró-russos, tal como por maioria de razão no "die Linke", mais à esquerda. Ou seja: a política alemã esconde à direita, ao centro e à esquerda, enormes riscos para a UE.

Por enquanto, Portugal continua a beneficiar das "invasões bárbaras".

Investimento estrangeiro em imobiliário, adesão a privilégios fiscais para estrangeiros, vistos gold (opacos e suspeitos), turismo desenfreado, atrizes, atores e vedetas reformadas. A vaga de invasão é de fundo: mais de metade dos alunos de mestrado da Universidade Nova de Lisboa, na área de Economia e e Gestão, são estrangeiros. Dum total de 600 alunos, 98 são alemães, 50 italianos além de mais 40 nacionalidades. Lisboa e Porto estão a transformar-se em cidades europeias cheias de jovens de todo o mundo. Na costa algarvia ou na Costa da Caparica passeiam-se reformados holandeses, alemães, escandinavos e brasileiros. Portugal é neste momento uma mistura de Silicon Valley e Florida com dieta mediterrânica e pastéis de nata. A UE, a estabilidade política, a segurança, o clima e as ligações aéreas de baixo custo são os motores da economia portuguesa.

Mas a conjuntura é frágil, como se sente, quando uma empresa low cost, que representa o pior do turbo-capitalismo e da irresponsabilidade social, corta umas centenas de voos para Portugal. Muito mais grave será se, a Alemanha com o seu novo governo, não der passos claros a favor duma UE, em que o poder e a riqueza, não se acumulam entre Frankfurt e Berlim.

Correspondente do Fer Freitag e colunista do Portugal Post

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