2017, tão português como sul-americano
Com o lema "Passado e presente", Lisboa iniciou o ano de 2017 na sua condição de Capital Ibero-Americana da Cultura e, com a celebração do centenário das aparições de Fátima, já se adivinhava que este seria um dos anos mais latino-americanos de Portugal. Desta vez seriam as costas europeias a receber as caravelas conduzidas pelos latino-americanos e os padrões por estes levantados. O que não se previa era o forte cunho sul-americano.
Na última década aumentaram as viagens e os encontros entre autoridades da América Latina e de Portugal, mas as de maior relevância são as visitas oficiais dos presidentes e primeiros-ministros, porque além do valor simbólico da representação implicam compromissos formais, em especial quando estabelecem alianças políticas e normas para os intercâmbios e a cooperação.
A 20 de junho próximo, com a presença do presidente colombiano Juan Manuel Santos, serão já três os presidentes sul-americanos que realizam uma visita oficial a Portugal antes do fim do primeiro semestre. Efetivamente, em março foi a visita oficial da presidente do Chile, Michelle Bachelet, em maio a visita de Horacio Cartes, a primeira visita oficial realizada por um presidente do Paraguai e, em junho, o presidente da Colômbia. Uma grande incursão em língua castelhana com sotaque sul-americano se acrescentarmos o Papa Francisco, o argentino que peregrinou a Fátima.
A intensa incursão portuguesa não é menos extraordinária. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa afirmou no início do seu mandato, como linha política incontestada, que "o Estado e a sociedade portugueses têm um interesse comum pela América Latina" que não é "retórico nem do passado, mas sim tangível e focado no futuro", pouco depois, em outubro de 2016, realizou uma visita oficial a Cuba e anunciou a sua visita ao México em 2017. Pelo seu lado, António Costa, antigo conhecido da América Latina como presidente da Câmara Municipal de Lisboa, desta vez na condição de primeiro-ministro, levou a cabo três visitas estratégicas no Cone Sul, após visitar o Brasil acompanhando o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, prosseguiu para a Argentina e para o Chile. Ao mesmo tempo, a secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros visitou a Colômbia e o Peru.
A comemoração do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas no Rio de Janeiro e em São Paulo com a presença das máximas autoridades do Estado português já indicam a extraordinária importância do Brasil no "coração" da nação lusitana. Embora não tenham sido assinados acordos nem protocolos, ambos os eventos constituem uma poderosa reafirmação do histórico destino comum que acredita no Brasil como potência mundial. O interesse mútuo entre Portugal e a América Latina teve iniciativas de envergadura em anteriores governos que se mantêm no atual. No entanto, o contexto atual é diferente devido aos problemas que enfrentam parceiros portugueses tradicionais como a Venezuela e o Brasil, o que demonstra a digressão sul-americana da sua diplomacia.
Com extrema criatividade, estas visitas têm utilizado diferentes modelos de acordos, para os temas culturais e comerciais são mais flexíveis e inovadores enquanto para os temas de interesse político utilizam métodos mais tradicionais. Assim, a assinatura de acordos com a Argentina e o Chile para facilitar vistos para estadas mais prolongadas aos jovens ou a promoção do intercâmbio cultural através do programa Working Holiday são modelos flexíveis de cooperação adaptados à intensa globalização. Tanto a iniciativa do Chile para se incorporar como país observador da CPLP em reciprocidade à mesma condição que tem Portugal na Aliança do Pacífico, como o apoio de Portugal para que a Argentina aceda a um novo estatuto na OCDE, constituem métodos tradicionais de compromissos comuns na política internacional.
Como uma paisagem que cerca estas viagens e visitas, terríveis problemas afetam as relações internacionais a um ritmo vertiginoso e desconcertante com consequências imprevisíveis. Continuam as dificuldades para superar a crise financeira de 2008, fortalece-se a tentativa isolacionista dos EUA, a integração económica por regiões na América do Norte, na Europa e na Ásia-Pacífico encontra-se em revisão, exige-se que a Europa altere o seu papel na segurança global; a segurança interna de África, da Ásia e da Europa está ameaçada pelo terrorismo e aumentam as possibilidades de guerras no Médio Oriente e na península da Coreia.
Neste quadro de fortes confrontações e conflitos complexos, vale a pena perguntar como Estaline, "quantas divisões têm" a América Latina e Portugal ou que recursos financeiros dispõem para resolver esses conflitos. Sem dúvida que não têm as suficientes, mas dispõem de uma comunidade de 700 milhões de pessoas que partilham religião, costumes semelhantes e línguas - ainda que com particularidades - com capacidade suficiente para se compreenderem, influenciarem e colaborarem na estabilidade e pacificação dos povos.
Esta capacidade de influência tem nas negociações entre a União Europeia e o Mercosul um dos seus maiores desafios e, com estas visitas oficiais, a América do Sul revalida a sua condição de parceiro estratégico e Portugal a sua posição como articulador entre esta região e a União Europeia.
Ainda 2017 não terminou e já é o ano mais sul-americano de Portugal, mas também o mais português da América do Sul.
Ex-embaixador do Paraguai em Portugal e investigador associado do Centro de Estudos Internacionais (CEI-IUL)