Líbia e o momentâneo regresso ao petróleo
A Líbia anunciou acordo, em Setembro, entre as partes desavindas, para o regresso à produção de petróleo e reabriu na passada segunda-feira o Campo Petrolífero Al-Sahara, o maior do país.
Muito conveniente esta área de extracção não se situar na Cirenaica, como muitas outras, sobretudo na região de Tobruk, praticamente na fronteira com o Egipto. Al-Sahara, viu facilitado este acordo por se situar no Sul do país, praticamente em Fezzan, a vasta Província Sul que demarca a fronteira da Líbia com o Níger, o Chade e uma nesga do Sudão (do Norte). Mais conveniente ainda é a canalização que transporta esta "gosma negra" ir, praticamente em linha reta, a caminho dos tanques de armazenamento de Zawiya, uma Azóia (é aliás a origem da palavra portuguesa) poucos quilómetros a Ocidente da Capital Tripoli.
A Geografia descrita facilitou sem dúvida este entendimento, já que o país se encontra dividido entre Tripolitânia (parte ocidental), governada pelo Governo de Acordo Nacional (GNA), reconhecido pelas Nações Unidas e cujo "carimbo" realmente conta e, a Cirenaica (parte oriental), governada pelo Exército Nacional Líbio (LNA, no acrónimo inglês). Kadhafi, um tripolitano de gema que teve nos cirenaicos a sua primeira base de apoio popular para a Revolução que o levou ao Poder em 1969, não cumpriu as promessas que lhes fez, o que o colocou na mira destes líbios orientais, desde sempre. Para os controlar economicamente, apesar do muito petróleo que tinham (e ainda têm), apenas o extraiu, canalizando-o para a Tripolitânia, onde estão os depósitos, as refinarias e os portos de mar que permitem a exportação do produto.
Esta é uma das realidades que tem complicado o processo na Líbia, empurrando-a inevitavelmente para uma solução federal, o que tem provocado uma outra complicação, as interferências externas, umas com interesse na manutenção da "unidade nacional de sempre" e outras tentando maximizar a divisão federal, projectando ainda outro cenário real e actual, o de haver Estados membros daNATO em ambos os lados da barricada. Turquia e Itália (GNA) e França (LNA).
Este entendimento de momento, poderá significar um primeiro quebra-gelo entre ambas as forças e que poderá muito bem também dar esperança ao projecto federal. Tendo a "máquina petroleira" em actividade e as armas caladas, Trípoli e o GNA precisam do petróleo de Tobruk e o LNA do dinheiro que o crude proporcionará.
Mas esta trata-se apenas de uma perspectiva interna. A partir de fora, os grandes patrocinadores do conflito têm prioridades diferentes, já que turcos precisam de uma Líbia una, para beneficiarem em pleno do Acordo Marítimo que assinaram com o GNA. O Mediterrâneo Oriental, gás e petróleo descobertos ao largo de Chipre são o Grande Jogo turco neste mar, permitindo-lhes um bem-vindo braço-de-ferro com a Grécia, picando o ponto diariamente na União Europeia e, com Israel, assumindo perante a "Ummah", o papel do único que não se verga aos hebreus.
Já aos russos, alinhados com o LNA, basta-lhes a Cirenaica e, sobretudo o Porto de Tobruk, onde poderá ter parte da sua frota de guerra fundeada e pronta a sair em qualquer altura do ano. O Mediterrâneo não congela e a proximidade com o Suez dá-lhes a perspectiva da operacionalidade dos velhos tempos.
Em suma, este retorno à produção petrolífera, não significa a paz, mas poderá ser indicador de um caminho que esbarrará mais cedo ou mais tarde com estas duas prioridades externas à Líbia. Este momento, será pois de um merecido descanso para todos, sendo que para 2021 chegará a fase seguinte, a da 4ª Guerra Civil Líbia. Está escrito!
Raúl M. Braga Pires
Politólogo/Arabista